quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Do Presépio ao Calvário


Pe. David Francisquini (*) 

Apesar de revestida de mistério, a festa da Circuncisão de Nosso Senhor Jesus Cristo, comemorada no dia primeiro de janeiro, esparge luz que ilumina todos os dias do ano. 400 anos antes da promulgação da Lei mosaica, Deus prescrevia a Circuncisão como preceito para Abraão e seus descendentes, simbolizando a Aliança estabelecida por Deus com o povo hebreu, particularidade que o diferenciava dos pagãos.

Tratava-se do principal sacramento da religião mosaica — simbolizando ao mesmo tempo purificação e santificação — a caracterizar e congregar o povo escolhido com a eliminação do pecado original. Sendo Nosso Senhor Jesus Cristo verdadeiro Deus, descendente de Abraão, não estava sujeito a essa Lei, mas quis a ela sujeitar-se, em ato de humildade e obediência, para assim remir e libertar a humanidade da culpa original.

Nesse acontecimento de transcendental importância, comemorativo da oitava do nascimento do Salvador do mundo, cujo nome é Jesus — que significa Salvador e Redentor —, podemos figurar um diálogo que bem poderia ter ocorrido entre Filho e Mãe, qual melodia harmoniosa e sublime, para ressaltar o significado desse mistério que a Santa Igreja Católica comemora.

— Minha Mãe, a mais formosa das filhas de Israel, vede que vim reinar e conquistar os corações! Sendo Eu Deus, quis ser pequenino, frágil, mimoso e deleitável, para tocar os corações dos homens, a fim de que eles trilhem o caminho dos mandamentos. O vagido que se desprende de meus lábios representa a minha dor, torna-se um hino de homenagem que ressoa junto ao trono de Deus Pai!

— Meu Filho querido, ao desprender de vossos lábios o pranto de dor, sinto uma espada que trespassa o meu coração virginal! Uno-me a Vós de tal forma que na junção de vossa dor com a minha realiza-se algo que a Terra não pode compreender, pois Mãe e Filho sofrem e assim unem o Presépio ao Calvário. Vejo em Vós a nova aliança que se instala com o derramamento de vosso sangue de valor infinito que redime a humanidade inteira.

— Sendo de Família real, descendente de Abraão e dos demais patriarcas, Eu não vim abolir a Lei, mas cumpri-la. A prova do meu amor para com os homens se revela na circuncisão! Foi para padecer e sofrer por eles, garantindo a sua eterna salvação, que tomei a natureza humana em vossas entranhas virginais. Ao ouvir o lamento de minha dor, que desprende de meu coração que tanto ama os homens e faz estremecer os próprios anjos, espero tocar-lhes o coração.

— Como pode um Deus tão pequenino, tão frágil e meigo, sofrer sem culpa?

— Minha amada Mãe, foi para mostrar aos homens que Deus não abandona os pecadores que Eu tomei a natureza humana. Vejo nisso a expressão do meu sacerdócio, que se instala entre os homens para remir dolorosamente suas péssimas culpas e conceder-lhes os meios de salvação, instituindo assim os canais da graça que são os meus sacramentos.

E prossegue o Deus-Menino: — Como o povo hebreu fazia parte dessa nação eleita pela circuncisão, assim também pelo batismo reunirei os filhos prediletos de minha Igreja, fora da qual não há salvação. Se nesse estábulo sou circuncidado — local aonde os Reis Magos e os pastores vieram prestar-me homenagens — deixarei, Virgem Imaculada, um sacerdócio perene, para que este mesmo sangue seja sacrificado sob as aparências de pão e de vinho.

— Como se dará isso, meu querido Filho?

— Eu vim para remir o povo de seus pecados. Como Salvador e Redentor do mundo, não posso restringir minha ação a um povo, mas conquistar toda a Terra. Diante de meu Nome dobrar-se-ão os joelhos aqui, nos Céus e no inferno! Meu Nome será pronunciado pelos meus ministros e filhos queridos para expulsar os demônios e vencer todos os males.

O meu Nome será uma fonte inesgotável com poder inexcedível para sanar os males, afugentar os demônios e quebrar o poder de articulação dos maus. Ao pronunciá-lo com respeito e veneração, ele confortará nas lutas, consolará nas tribulações e tentações, será o escudo seguro contra os inimigos de nossa alma e lenitivo a amenizar as chagas do espírito, tal qual o azeite lançado nas feridas.

— Sei, querido Filho, que dos antros da humanidade se arrancarão determinações e planos contra a vossa Igreja, a ser instituída um dia. Como no campo bem cuidado pode proliferar a cizânia, percebo com a clarividência que me destes, com a luz que me infundistes, que o príncipe das trevas se articulará nos seus antros de maldade e perversidade, para levar à ruína vossa Igreja. Como Rainha da história humana, prevejo as articulações para introduzir em seu seio ministros que difundirão o mal para perverter as almas que custam o preço infinito de vosso sangue. Sendo vossa Mãe, sê-lo-ei também da Igreja e sei que as portas do inferno não prevalecerão contra Ela. O fulgor de vossa santidade e perfeição brilhará um dia em toda a face da Terra. Eu, que Vos concebi e por obra e graça do Espírito Santo Vos trouxe a este mundo, estabelecerei sobre ele o meu Reino: Por fim meu Imaculado Coração triunfará! Assim se unem o presépio com o Calvário e com toda a história da raça humana.

Aquele que sendo Deus quis abraçar a raça humana revestindo-se da carne desta, começa a derramar as primeiras gotas de seu sangue preciosíssimo. Vossa carne que está sendo atingida neste momento tem um valor incomparavelmente maior que o sangue dos cordeiros, ovelhas e bois.

Não contente com a efusão deste pouco sangue, quereis mostrar o excesso de vosso amor, de vossa bondade, de vosso entretenimento, de vosso carinho para com a humanidade inteira. O excesso de vosso heroísmo para remir uma raça que foi maculada pelo pecado não conhece limites. O desdobramento de vossa vida é uma contínua imolação, cujo auge será o sangue derramado por Vós no alto da cruz. O mais sublime exemplo para que a humanidade inteira compreenda que deve amar e lutar sem limites por Deus, de toda alma, de todo coração, de toda inteligência.
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(*) Sacerdote da igreja do Imaculado Coração de Maria, Cardoso Moreira - RJ 


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O PRIMEIRO PRESÉPIO DA HISTÓRIA

O belo costume de montar presépio para rememorar o nascimento do Menino Jesus nos foi legado por São Francisco de Assis (no ano de 1223), conforme narra São Boaventura:

“Três anos antes de sua morte, encontrando-se o Santo em Grecio, movido por sua ardente devoção e para excitá-la nos outros, quis celebrar a festa da Natividade do Menino Jesus com toda a pompa e majestade possível.

Mas, para que ninguém pudesse tachar essa festa de ridícula novidade, pediu e obteve do Sumo Pontífice licença para celebrá-la.

Em seguida, Francisco fez preparar um presépio; mandou trazer grande quantidade de feno, juntamente com um asno e um boi, dispondo tudo ordenadamente; reuniram-se os religiosos, chamados de diversos lugares; concorreram pessoas do povo, ressoaram vozes de júbilo por todas as partes. E o grande número de luzes e resplandecentes tochas, bem como os cânticos sonoros que brotavam dos peitos simples e piedosos converteram aquela noite num dia claro, esplêndido e festivo.

Francisco [pintura ao lado] estava diante do rústico presépio, extático pela piedade, banhado em doces lágrimas e cheio de gozo celestial.

Iniciou-se, então, a missa solene, na qual Francisco, que oficiava como diácono, cantou o Evangelho. Pregou depois ao povo e lhes falou do nascimento do Rei pobre, a quem, quando a Ele se referia, chamava, impulsionado por seu terno amor, o Menino de Belém.

Havia entre os assistentes deste ato um soldado muito piedoso e veraz que, movido pelo amor a Cristo, renunciou à milícia secular e se uniu estreitamente ao servo de Deus. Chamava-se João de Grecio, e assegurou de um modo formal ter visto no presépio, reclinado e dormindo, um Menino extremamente belo, o qual o bem-aventurado Francisco tomou em seus braços, como se docemente o quisesse despertar do sono.

Que tal visão do piedoso soldado é inteiramente certa o afirma não só a santidade de quem a teve, mas também sua veracidade; e a evidenciam os milagres que depois se realizaram. Pois o exemplo de Francisco, mesmo humanamente considerado, tem poder para excitar a fé de Cristo nos corações mais frios. E aquele feno do presépio, cuidadosamente conservado pelo povo, foi um eficaz remédio para curar milagrosamente os animais doentes, e antídoto contra muitas espécies de peste. E assim, glorificou o Senhor seu servo com todas estas maravilhas e demonstrou a eficácia de suas orações com prodígios tão evidentes”.
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(“Legenda de São Francisco de Assis”, in “Escritos Completos de San Francisco de Assis y Biografias de su época”, Biblioteca dos Autores Católicos, 1945, pp. 597-598).

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

É NATAL — O inferno ruge, a Igreja nada teme

“A Adoração dos Reis Magos” (1445) — Galeria Nacional de Arte de Washington. A pintura sobre madeira apresenta os três reis magos à frente a uma magnífica procissão (simbolizando todas as raças da humanidade) que espera sua vez para adorar o Menino Jesus. O pavão-real simboliza a Ressurreição de Cristo. Alguns especialistas afirmam que Fra Angélico (1387-1455) pintou as figuras principais e um de seus discípulos (provavelmente o monge Filippo Lippi) completou a obra.

Pe. David Francisquini  (*)

O Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo nos faz entrar na atmosfera encantadora e sublime das harmonias de um rei que assume a natureza humana no ventre virginal de Maria Santíssima por obra do Espírito Santo para redimir o gênero humano.

O que nos diz a singela, ordenada, pura e virginal cena de uma mãe que contempla seu filho que é ao mesmo tempo Deus e homem? Que olhar, que esplendor, no qual se reflete um interesse pelas mais sublimes virtudes de um brilho fulgurante!

Aquele Menino recém-nascido constitui-se o herdeiro universal de todas as coisas. Ao mesmo tempo em que é Filho do Eterno Pai, torna-se Filho da Virgem Maria. Aquele que é o esplendor, o reflexo, a imagem do Padre Eterno, recebe a carne e o sangue, ou melhor, a vida aqui na Terra, servindo-se da mais santa de todas as criaturas.

Enfim, quem é esse Menino tão terno, tão angelical, tão inocente, tão meigo e tão doce? Dirá a Mãe: Tu és o meu filho, eu te dei à luz. E o Menino se entretém num diálogo cuja melodia faz encantar a natureza inteira.

Se Eu sou o teu filho e me deste à luz, e todas as coisas vieram de minha onipotência, como, então, Eu, sendo Deus, Filho do Eterno Pai, posso unir algo que parece contradição? Teria acaso uma natureza finita, limitada o Eterno, Aquele que sempre existiu?

Meu Filho, sim, Tu és eterno, substância e sustentáculo de tudo; vieste ao mundo tomando a natureza humana para redimir essa raça perdida pelos nossos primeiros pais. Tu és o Sacerdote de uma nova lei, que é a lei da bondade cristã. Enquanto deste a vida a mim, eu Te dei a vida a Ti, pois Tu és o mais formoso de todos os filhos da raça de Adão.

Se assim é, ó Mãe, como então Aquele que é a primeira pessoa da Santíssima Trindade me diz: Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei?

Sim, meu filho, Tu és o primogênito, o mais excelente ser que a Terra contemplou; se Tu és a substância do Pai Eterno, és também de minha substância, porque Tu vieste instalar um sacerdócio perene no mundo segundo a ordem de Melquisedec porque imolarás essa nova natureza que Te dei.

Então, Tu és, ó Mãe, a mais formosa de todas as mulheres, porque no teu fiat, no teu consentimento, soubeste imolar o Verbo de Deus, isto é, a palavra eterna que se torna homem, reunindo o infinito – Aquele que é Deus – ao finito – Aquele se fez homem, portanto duas naturezas numa só pessoa, que é a pessoa do filho. Tu és a Mãe de Deus, a mais formosa e a mais excelente das criaturas. Na manjedoura já começa o meu calvário, que é o meu sacerdócio, um culto que um Deus-Homem oferece à divindade, reparando assim, com a nova natureza que recebi de ti, o pecado que inundou a Terra.

"Adoração dos pastores",
Juan Bautista Maino (1612), Museu do Prado
 
— Sim, ó meu Deus, o teu trono, o teu cetro, é um cetro de equidade, de justiça e de amor, pois teu Nome será repetido até os confins da Terra, e reinarás no mundo inteiro, porque implantarás a religião da bondade, do perdão, da misericórdia, do heroísmo, da coragem, da fortaleza, da verdade, da fé, do zelo, da generosidade, da pureza, da virgindade.

Sendo Deus com o Pai e o Espírito Santo, Tu és também meu Filho, por pura bondade tua, e por bondade do Espírito Santo, que me desposou e operou essa obra insigne no amor de um Deus que se faz homem, da palavra eterna, isto é, o verbo de Deus que quis encerrar em meu ventre e vir à luz para espancar as trevas e inundar o mundo de grandes realizações.

Genuflexa eu Te adoro, rendo homenagens por todos os homens, pois Aquele que é criador quis também ser criatura; o que é eterno quis também ter um começo nesta Terra para implantar a religião que todos os homens devem abraçar e sem a qual não terão os meios de salvação.

De tal forma, ó Filho amado, esplendor e glória minha, que um Deus em três pessoas há de realizar em Ti algo com o qual toda a Terra há de beneficiar-se e o inferno de tremer, pois a eternidade se instalará na Terra através da Igreja que fundaste e contra cuja perenidade as portas do inferno não prevalecerão. Pode o inferno rugir, mas de nada adiantará!
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(*) Sacerdote da igreja do Imaculado Coração de Maria, Cardoso Moreira - RJ 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Argentina: governo sem controle, oposição sem rumo, população indignada


A indignação popular contra o caos que corrói a Argentina atingiu um clímax. Sobre o futuro do país paira imensa incógnita que, em última análise, só a Providência Divina poderá resolver. 


  • Marcelo Dufaur


Batendo panelas e exibindo toda espécie de cartazes de protesto, de confecção caseira, por volta de 700.000 portenhos congregaram-se em torno do obelisco central de Buenos Aires para manifestar sua insatisfação e mesmo sua cólera em relação ao rumo nacionalista-esquerdista que a presidente Cristina Kirchner vem impondo ao país.

Tal multidão constitui a ponta de um imenso iceberg, símbolo de um país inteiro. “Panelaços” simultâneos ocorreram diante da Casa Rosada, da residência presidencial de Olivos, em bairros centrais e periféricos, bem como nas principais capitais de província da Argentina.

As queixas populares recolhidas pela imprensa abarcavam um dos mais vastos leques de descontentamentos que nossa época, entretanto repleta de absurdos, já conseguiu reunir.

A viúva do ex-presidente Kirchner vinha prolongando a obra de demolição iniciada pelo seu marido, atropelando as categorias sociais, os costumes e os símbolos mais cultuados pelos argentinos. O chamado “estilo K”, adotado pelos governos do casal Kirchner, consiste em atropelar os espíritos sem os convencer, para implantar com arrogância e vulgaridade uma Revolução Cultural e um socialismo invasor.
Gigantesca manifestação da indignação contra governo caótico da viúva Kirchner
O “estilo K” vem se servindo de uma equipe sindicalista que, segundo a opinião de correspondentes de jornais estrangeiros, assemelha-se mais a uma gangue mafiosa. Comumente conhecida como “La Cámpora”, essa equipe reúne militantes de esquerda, herdeiros revanchistas dos antigos grupos guerrilheiros marxistas ou da esquerda católica.

Sob uma bandeira nacionalista, tal equipe vinha conduzindo sistemática agressão igualitária contra as classes média e alta, as mais cultas do país, seus costumes e suas propriedades. Mas as consequências dessa investida faziam-se sentir também sobre as camadas populares: assombrosa degradação dos serviços públicos, criminalidade quase descontrolada, Judiciário aviltado e posto a serviço da prepotência esquerdista, inflação devorando ordenados e poupanças, acelerado processo de destruição da família.

Por fim, em meio a uma torrente de artifícios legais, o núcleo do poder do governo Kirchner manifestou a vontade de reformar a Constituição para reeleger a atual presidente, seguindo o sistema utilizado por Chávez na Venezuela. Como para tal reforma o governo não possui maioria, o povo argentino deu-se conta de que as formalidades legais não seriam respeitadas. Foi então que, como observou o jornal “Le Figaro” de Paris, a cólera e a saturação transbordaram na forma de maciças manifestações populares de protesto contra o conjunto de abusos esquerdistas.

Mistérios da situação argentina 
Se existe algum mistério na durabilidade do “estilo K”, não parece que deva ser procurado na famigerada gangue encravada no governo.

Seria tarefa fácil para a força oposicionista se ela quisesse apresentar uma opção viável de poder e até ficar com as rédeas do governo. Mas nem mesmo a ambição e o interesse pessoal moveram seus políticos a se mobilizarem com um mínimo de inteligência.

Resultado: no imenso “panelaço” de 8 de novembro último, também eles foram largamente apontados pelas multidões como responsáveis pelo mal-estar nacional. Os argentinos não se sentem representados pela oposição e um imenso vazio abriu-se entre o povo e os que deveriam representá-lo.

Imensa incógnita tomou corpo na Argentina. De um lado, a equipe governamental aparece ao mesmo tempo cada vez mais prepotente e cada vez mais impotente, incapaz de se conduzir em suas funções, repudiada até por muitos dos que nela votaram. De outro lado, a oposição política, sem líderes, sem ideias, sem alternativas, apenas um pouco menos repudiada pela população do que o governo. Assim, o vazio apresenta-se como a grande incógnita para o futuro.

O horizonte não seria tão pesadamente brumoso se a influência da hierarquia eclesiástica se fizesse sentir beneficamente sobre a população que, nesta encruzilhada, normalmente se volta compactamente para suas raízes católicas.

Mas, quem analisa a posição da Conferência Episcopal Argentina e do clero católico considerado em seu conjunto, depara-se com uma atitude semelhante à de uma esfinge do Egito.

Então, o que aguarda a Argentina? 
A prodigiosa desordem e a imprevisibilidade do quadro civil e religioso argentinos acena para acontecimentos futuros cada vez mais incertos, descontrolados e até contraditórios.

A insensibilidade da opinião pública argentina às propostas nacionalistas de cunho esquerdista do governo, sua desconfiança em relação à oposição, o desprestígio da esquerda católica e do clero progressista estão produzindo um descolamento sem nome. Cidadãos e políticos no campo civil, fiéis e clero no campo religioso, não mais se entendem. Predominam a insatisfação e a ebulição do temperamento popular contra todos esses fatores de desordem.

Poder-se-ia mesmo evocar uma analogia histórica: o desabamento do Império Romano do Ocidente, quando ocorreram fenômenos semelhantes de desarticulação no governo e desorganização na sociedade.

Mas há na Argentina um elemento superior que os fautores do caos atual fingem negligenciar: sua Padroeira, Nossa Senhora de Luján. D’Ela aguardamos a última palavra!


domingo, 2 de dezembro de 2012

Obama — a rachadura e a polarização


A reeleição do presidente Obama pressagia a expansão do caos em escala mundial. As profundas rachaduras abertas nos EUA favorecem o aumento do descontrole e da contradição no cenário mundial.

§   Luis Dufaur
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 744, Dezembro/2012

Quando Barack Hussein Obama encerrou seu último meeting, na longa corrida pela reeleição, enxugou uma lágrima... O esgotamento de uma campanha insana contribuiu para trair uma grossa preocupação: o “Messias” de 2008 já não estava mais lá. O futuro se fazia pressentir doloroso e incerto.

A estreita vitória que o reelegeu deixou um país rachado, mais polarizado que nunca, com os políticos menos moderados dos dois partidos compondo as duas Câmaras em oposição.

Obter o consenso mínimo na legislação mais rotineira será difícil, observou Andy Sullivan, da agência Reuters (7-11-12). “Não haverá muita boa vontade no Capitólio”, disse o professor de história da Universidade de Princeton, Julian Zelizer. A polarização crescente manifestada na eleição tornará mais difícil governar o gigante acometido por violentas crises internas e externas.

Malgrado a vitória final, as perdas democratas foram notórias e Obama governará um país rachado não só política e ideologicamente, mas também social, étnica, geográfica, moral e religiosamente.

“A polarização já foi mais extrema em alguns períodos do século XIX e nos anos 1930” [da Grande Depressão], lembra o historiador Alexander Keyssar, de Harvard, mas “em nenhuma dessas vezes as instituições do governo ficaram tão paralisadas como agora”. E especificou que as trincheiras que dividem os EUA hoje são entre radicais e centristas dentro de cada partido; mais do que entre a esquerda democrata e a direita republicana.

Como conciliar o irreconciliável?

“Vitória sem folga” obriga o presidente americano a procurar a cooperação da oposição, comentou “O Globo” (8-11-12), mas esta “manteve a maioria na Câmara e saiu rancorosa das urnas com 57 milhões de votos”.

No Senado, o presidente terá o apoio de uma maioria democrata ampliada, porém posicionada mais à esquerda, com a presença pela primeira vez de uma senadora assumidamente homossexual.

“O pragmatismo deve levar Obama para o centro no 2º mandato”, escreveu Peter Baker, de “The New York Times”. Mas onde está esse centro, do qual os políticos mais populares dos dois partidos desertam, migrando para os extremos? Quem ou que fator poderá resolver o dilema de Obama?

Para o Prof. Zbigniew Lewicki, diretor do Departamento de Estudos Americanos da Universidade Cardeal Stefan Wyszyński, de Varsóvia (Polônia), do ponto de vista europeu, Obama “não correspondeu às expectativas geradas há quatro anos” e “voltou as costas à Europa” (“Gazeta Wyborcza”, 8-11-12). Porém — acrescentou — o único governo que “pode deleitar-se com a vitória de Obama” é o da Rússia. Justamente o inimigo visceral dos EUA. Isto por certo não é uma vitória americana, e não traz boas notícias para um futuro mediato.

As rachaduras morais acentuaram-se em vários plebiscitos que costumam ocorrer simultaneamente às eleições presidenciais. Até o momento das eleições, na totalidade dos estados em que fora posto em votação, o “casamento” homossexual havia sido recusado pela maioria. Mas desta vez, três estados o aprovaram: Maryland, Maine e Washington. Também o uso e a venda de maconha obtiveram aprovação em Colorado e Washington, embora tenham sido rechaçados no Oregon. A lei federal considera a maconha como narcótico ilegal e preveem-se atritos legais que podem até inviabilizar as aprovações.

Cambaleios e incertezas no horizonte

O segundo mandato de Obama começa com aspectos próprios de uma situação cambaleante do ponto de vista interno dos EUA. Essa crescente rachadura interna não poderá deixar de ter graves reflexos nas relações internacionais.

Quem no cenário internacional poderá equilibrar o gigante americano quando este começar a oscilar num sentido ou noutro de acordo com disputas internas? Na verdade, o resto do mundo aguardava respostas claras por parte dos EUA, pois sem o concurso dessa imensa nação as grandes economias mundiais, especialmente as europeias, não poderão dominar as rotações que as fazem dançar à beira de abismos assustadores.

Cavalgando sobre um gigante rachado, polarizado e absorvido por conflitos culturais, morais e religiosos internos, Obama não poderá realizar ações significativas no exterior. E então as bússolas dos países civilizados parecerão viciadas. A indicação de um rumo tornar-se-á cada vez mais obra de adivinhação, impossível até, talvez, para os políticos mais experimentados.

Nesse caso, quem poderá ganhar com a paralisia e/ou o enlouquecimento das bússolas do Ocidente?

No Oriente, a China se prepara de um modo assaz confuso, atormentado e incerto, para se projetar como a primeira potência mundial.

Nas condições em que se deu, a vitória de Obama deve ter sido recebida em Pequim como prenúncio da realização da hegemonia marxista chinesa no mundo preconizada por Mao Tsé-tung.

Mas quem arriscará garantir qualquer coisa considerando-se a obscura luta pela sucessão interna na China comunista e os crescentes focos de rebeldia popular contra o governo?

A única coisa certa é que a vitória eleitoral de Obama preanuncia horizontes ameaçadores para a estabilidade mundial.
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Luxemburgo: 
esplendor nobre.

Eleições americanas
vulgaridade demagógica.

Num clima de dignidade e proporcionado esplendor, Guilherme, príncipe-herdeiro de Luxemburgo, contraiu núpcias com a condessa belga Stephanie de Lannoy. O casamento nas famílias reinantes traz a promessa de continuidade da monarquia e estabilidade da nação. Mas certa mídia malévola que se diz amante da democracia tentou desmoralizar a solenidade alegando que a despesa — 350.000 euros — era incompatível com a atual época de crise.
Pouco depois, segundo o Center for Responsive Politics, as eleições presidenciais americanas consumiram seis bilhões de dólares, 13% a mais que o recorde atingido na eleição de 2008 e certamente destinado a ser superado em 2016... O dinheiro público e privado gastado em eleições paga amiúde explosões de demagogia e mau gosto. Onde reside no seu melhor sentido o espírito democrático? Onde o povo é elevado pela tradição e dignificado pelo requinte nobiliárquico, ou onde é rebaixado com exibições de vulgaridade e demagogia?