terça-feira, 17 de julho de 2012

Até as formigas e os esquilos


Pe. David Francisquini  (*)

Antes de construir uma torre ou enfrentar um exército inimigo, o homem prudente e sério deve planejar. Sentar-se e calcular os gastos de seu empreendimento. Eis o que nos ensina o Divino Mestre numa parábola sobre as virtudes cardeais, aquelas que pautam a nossa vida neste vale de lágrimas. 

Por que cardeais? Cardo, em latim, significa gonzo, eixo em torno do qual gira alguma coisa. No caso de dobradiças, giram a porta; no caso do eixo da Terra, giram os quatro pontos cardeais; no caso das virtudes da prudência, justiça, fortaleza e temperança, giram as demais virtudes. Esta é a doutrina da Santa Igreja.

A história do homem não é outra senão um reflexo do seu constante pensar sobre o presente, passado e futuro. Se na natureza até as formigas e os esquilos fazem suas previsões e aprovisionam para o futuro, o que seria do homem se não planejasse sua vida, de modo particular em nossos atribulados dias?

Nesse contínuo ato de planejar inerente à vida, a pessoa deve hierarquizar prioridades. E isso lhe exige virtude, força de vontade na aquisição desse bom hábito. Portanto, as virtudes cardeais devem constituir as balizas desse ato instintivo e ao mesmo tempo racional de organizar a vida. 

Consta na História Sagrada que o Simão Cirineu vinha despreocupado pela estrada, pensando tão-somente nos pequenos problemas e nos pequenos interesses de que se compõe a vida miúda da maior parte dos homens, quando de repente se deparou com Nosso Senhor carregando sua Cruz!

Se um homem que há dois mil anos entrou para a História com o seu heroico gesto pensava tão-só nos pequenos problemas da vida cotidiana, imaginemos o que acontece em nossos dias quando tudo parece tramar contra as virtudes? Não podendo nos privar de pensar, os artífices da sociedade atual nos distraem com suas lantejoulas.

Quantas coruscações falsas à beira dos nossos caminhos! Poucos são aqueles que procuram ver a finalidade da vida, poucos os que lutam contra os seus próprios defeitos e cuidam de formar seu caráter e sua personalidade, e, certamente um número ainda menor se preocupa com os seus deveres para com Deus.

Ao deparar com uma criança, sou muitas vezes levado a me preocupar com a importância de sua educação, como ela deveria ser instruída nos seus deveres para com Deus, como despertar nela a noção de prêmio e de castigo, como proceder para que assimile as virtudes que, apesar de muito diluídas, ainda subsistem nas famílias.

A sede e a fome de Deus a que especialmente nós, religiosos, somos chamados, deveria assemelhar-se aos objetos que se desprendem de determinada altura, e que atraídos pela força da gravidade rumam em direção ao centro da Terra. Metafisicamente cada pessoa possui um movimento que a impulsiona para Deus, para o bem, para o verdadeiro e para o belo.

Contudo, existe verdadeira pressão contra aqueles que procuram levar suas vidas segundo a ordem criada e querida por Deus. Por medo de represálias, quantos preferem a despreocupação, a inércia e a indiferença, não tomando uma atitude em consonância com o seu fim supremo, como que desligados de Deus.

Grassa hoje um ateísmo prático no qual as orações mais elementares são ignoradas por um cristão. E como se tratasse apenas de um simples cristão! Há poucos dias, um fiel digno de minha consideração contou-me que após se confessar numa importante capital do Brasil e rezar o Ato de contrição, o sacerdote lhe pediu uma cópia da oração...

Ainda jovem sacerdote, repleto de esperança e otimismo, eu acreditava ser fácil converter as almas. Promovia missões, visitava as casas, dava conferências e lançava mão de tantos outros meios empregados para tornar uma paróquia exemplar. Mas percebi logo que sem despertar nas almas a tendência para se moverem rumo a Deus, pouco adiantava.

É o que pretendo com essas despretensiosas linhas.
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(*) Sacerdote da igreja do Imaculado Coração de Maria, Cardoso Moreira - RJ 

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