Pe. David Francisquini (*)
Cumpro a promessa feita e retomo o tema da procura de almas em nossos campos — hoje tão desfigurados em relação a um passado não muito remoto — em que patrões e empregados viviam normalmente em perfeita harmonia na troca amistosa de bons ofícios do compadrio reinante. Tal concórdia não era fruto espontâneo da natureza, mas da fé religiosa que a todos iluminava.
No Brasil, dada à situação em que vive infelizmente a maior parte das pessoas que se mudou para as cidades, os pais deixaram de ensinar o catecismo e a história sagrada a seus filhos, pois nem eles mesmos dão exemplo de vida religiosa, temperante e temente a Deus. Confinados em casas populares, sofrem pressão do ambiente para limitar o número de filhos.
Os pretextos para essa nossa atitude se encontram numa “cartilha” na qual os novos citadinos “aprendem” que a vida se tornou implacável e não comporta mais uma prole numerosa a ser educada e alimentada. Enquanto moravam no campo eles usufruíam da fartura de alimentos, da largueza retratada no espaço, além do ganho, resultando em bem-estar, tranqüilidade e alegria de situação.
Contudo, ninguém está disposto a trocar a vida — ainda que precária — da cidade pela vida temperante do campo, levando em conta todas as condições de conforto da cidade. O vazio de nosso interior, até há pouco estuante de vida e símbolo de abundância e fertilidade, constitui eco das desastradas políticas que resultaram no enorme êxodo rural.
Enquanto pastor e orientador de almas, não creio poder inocentar de culpa os promotores de tal política. Com justa razão contestam os proprietários rurais essa política agrária, que protege os ditos sem-terra, oferecendo-lhes toda sorte de regalias, enquanto aqueles que têm vocação para a agropecuária ficam abandonados e até ameaçados.
Um ruralista autêntico reclamou em conversa recente que trabalha mais para o governo de que para seu próprio sustento. Alega ter se tornado praticamente um concessionário do Estado e não mais um legítimo proprietário. A todo o momento recebe visitas de órgãos governamentais para cobrar isso ou aquilo, além de lhe impor mil e uma obrigações sem nenhuma contrapartida.
A figura do proprietário vai desaparecendo em detrimento da figura de mero concessionário do Estado. Qual um deus laico e impostor, o Estado apresenta-se como onisciente, onipotente e onipresente ao querer saber de tudo, abarcar tudo e controlar tudo.
Outro camponês lembrou-me a figura do chupim — pássaro símbolo da preguiça, da depredação e do aproveitador — que ao “chupar” os ovos do tico-tico e botar lá os seus, faz com que o tico-tico os incube para ele, além de criar seus filhotes, alimentando-os por longo período. Só depois de adultos os novos chupins vão sair da tutela do tico-tico para praticar as costumeiras patifarias.
Vai celeremente desaparecendo a verdadeira liberdade dos filhos de Deus. A ferrenha “escravidão” imposta pelo Estado tende a aumentar dia-a-dia o desânimo entre os produtores rurais, e também urbanos, obrigados tanto uns como os outros a carregar nas costas máquina estatal cada vez maior.
A classe média dá mostras de cansaço, e, sem desmerecer a nobreza do legítimo funcionalismo público, o que vemos são filas sem-fim para concursos a um cargo municipal, estadual ou federal. Afinal, todos querem fazer parte da nova “aristocracia”, semelhante à nomenklatura, que pouco produz e leva a maior parte dos frutos e esforços de quem trabalha.
Com a livre iniciativa cerceada, as mentalidades vão mudando a ponto de quase todos reclamarem da presença do Estado na solução dos problemas do cotidiano: na segurança, na saúde, na educação, enfim, na solução de todos os problemas, inclusive na eliminação da pobreza. A consequência disso só pode conduzir a população ao acomodamento e ao torpor das individualidades.
Ao promover o bem comum, o Estado jamais poderá ser um fardo para a sociedade. Seu papel é criar condições para que os indivíduos desenvolvam seus talentos e contribuam para o sadio progresso da Nação, e não como estamos assistindo atualmente no Brasil. Por ocasião das eleições, jornais noticiaram que os “dependentes” do Estado seriam capazes de eleger o presidente.
O que me faz levantar uma pergunta: Que autenticidade tem uma democracia baseada nesses termos?
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(*) Sacerdote da igreja do Imaculado Coração de Maria, Cardoso Moreira - RJ
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