Recentemente o Partido do Congresso, na Índia, decretou que todos os seus políticos e governadores não mais poderão ostentar seus títulos de nobreza, como marajá (grande rei), maharani (grande rainha), rajkumar (príncipe) ou nababo (equivalente a rei e usado entre os indianos de origem muçulmana). Sobre esse assunto é interessante a análise de um artigo de autoria do insigne pensador católico Plinio Corrêa de Oliveira, publicado em Catolicismo nº 195, março/1967), sob o título "A Índia tem saudades dos Marajás".
Naquela época, os Marajás já haviam sido afastados oficialmente do poder, o que ocorrera desde o ano de 1947, quando a Índia se tornara independente da Coroa Britânica; até então, era formada por um conjunto de principados.
Desde a independência, a Índia pretendera, sob a liderança de Gandhi, Nehru e Indira, ter uma face modernizada e de cunho socialista, rompendo com as tradições mesmo as que eram salutares e orgânicas. Porém, essa tarefa não é nada fácil. Vejamos alguns excertos do referido artigo: “Entre as tradições que merecem sobreviver, algumas têm raízes débeis, e podem ser eliminadas sem enorme abalo para a nação. Mas outras há em que não se pode tocar sem desfigurar a própria alma da nação, o seu processo de continuidade histórica, sua própria identidade consigo mesma. [...] Na Índia dos Marajás, por exemplo, muita coisa haveria que modificar. Mas essa obra jamais poderia degenerar num fazer ‘tabula rasa’ — na vida da Índia atual — de todos os tesouros de arte, cultura e talento da Índia tradicional. Nem numa substituição sumária e total da Índia grandiosa, lendária e poética plasmada pelos séculos, por um Estado socialista, prosaico e vulgar como é a Índia atual: uma espécie de país organizado à sueca, isto é, tudo quanto há de mais paradoxal e anorgânico”.
“A Índia de hoje são os indianos que hoje vivem. E eles não aprovaram tão radical, indiscriminada e brutal transformação”.
Mais adiante, o artigo refere-se às então recentes eleições indianas : “De um longo e substancioso despacho do correspondente da AFP em Nova Delhi, datado de 15 de janeiro p.p., destacamos este trecho: "O líder dos comunistas indianos, comentando a preparação das listas de candidatos para as eleições legislativas do próximo mês, exclamou: ‘Isto é a restauração! Nunca houve tantos Marajás nas listas como este ano!’ [...] ‘Grandes Famílias’ ilustres que reinavam sobre vastos Estados do Radjastan, do Pundjab e de Madhya Pradesh, e que, na realidade, não deixaram de dominar nunca a política local, e centenas de pequenos Príncipes obscuros voltam ao primeiro plano político”.
E o Prof. Plinio conclui : “Não entramos no mérito da questão da forma de governo. Descartado de seu aspecto político, este reviver da popularidade dos Rajás indica uma reação de alma muito importante do ponto de vista ‘Ambientes, Costumes, Civilizações’. Em suma, o povo indiano está farto do socialismo trivial, rasteiro e sem nenhum vôo. E volta-se para a Tradição em busca desta coisa indispensável: altos horizontes para a alma”.
Passadas mais de quatro décadas desses acontecimentos, a aura revolucionária que desde o início dominou o Partido do Congresso indiano, deseja tentar ainda submergir cada vez mais as famílias nobres; e já lhe tendo tirado o poder político deseja agora liquidar qualquer influência que possam ter sobre a sociedade; e continua a ser, como afirma o Prof. Plinio, “trivial, rasteiro, sem nenhum vôo”, conforme o seu próprio lema "Aam Aadmi", ou seja "Homem Comum". O que não combina com Marajás, levando a vulgarização e a mediocridade a seu ápice.
A decisão do partido do primeiro-ministro Manmohan Singh causou polêmica no país.
“Esses títulos são uma herança de família; como então o Partido do Congresso pode querer tirá-los? Como fazer o povo parar de nos chamar pelos nossos títulos de nobreza? Muitas vezes são termos afetivos”, protestou durante um debate na TV CNN-IBN Bhanu Pratap Singh, um ex-ministro de Estado, que hoje seria o Marajá de Narsinghgarh, no estado de Madhya Pradesh. Ele argumenta que em 1971, quando a então a primeira-ministra Indira Gandhi eliminava vários privilégios dos nobres, os títulos não chegaram a ser abolidos. Portanto, os descendentes teriam direito de usá-los hoje. Mas a liderança do Partido do Congresso julga que a existência de muitos políticos de origem nobre em seus quadros contraria a imagem que almeja projetar para o público.
Esse quadro é muito interessante e simbólico para se constatar, em primeiro lugar, o ódio que os revolucionários votam a tudo que é nobre, belo, elevado, sendo uma questão mais espiritual do que material; e, em segundo lugar, o seu verdadeiro objetivo –– fazer a humanidade rebaixar-se cada vez mais, perdendo os exemplos e parâmetros mais sublimes, e considerando como inspiração apenas aquilo que é comum e banal.
Nada mais contrastante em relação ao desejo natural de perfeição, que Deus colocou na alma humana.
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* Heitor Abdalla Buchaul é colaborador da ABIM
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