segunda-feira, 23 de agosto de 2010

“Tudo vai muito bem, senhora marquesa”

Diante das maiores catástrofes, os eternos otimistas sempre têm a mesma resposta: "Tudo vai muito bem"... 

  • Léo Daniele

Uma musiquinha francesa veio-me à memória ao tomar conhecimento do noticiário da semana. Chama-se “tout va très bien, madame la marquise” (“Tudo vai muito bem, senhora marquesa”).

Ela conta com muita verve a história de uma marquesa que, estando em viagem, telefona para seu criado querendo saber se tudo corria bem em casa.

E o criado vai respondendo, sempre começando suas frases com um “tudo vai muito bem”.
Terminadas as quatro primeiras palavras, vem o famoso “mas…”: ele começa a dar detalhes, muito deprimentes, terminando com um incêndio que destruiu parte do castelo. Conclui com um último “mas, tirando isto, tudo vai muito bem”.

A música é uma sátira bem feita do otimismo sistemático e por princípio, e pode aplicar-se aos otimistas ou indiferentes diante da verdadeira “reforma do Brasil” para pior, preconizada pelo novo “Programa Nacional de Direitos Humanos" (PNDH-3). Aqui, isso não vai acontecer, pensam os otimistas… Para que se esforçar?

Veja-se, por exemplo, a última estatística da Organização Mundial da Saúde sobre aborto em diversos países: no Leste europeu chegou-se a 103 abortos para cada 100 crianças nascidas vivas. Na Rússia de hoje realizam-se 95 abortos para cada 100 nascidos vivos! Na Espanha os abortos dobraram nos últimos vinte anos. Tudo isso é o que desejam os fautores do PNDH-3 para o Brasil.

O corolário do aborto é um desproporcionado carinho para com os animais irracionais, um substitutivo do carinho para com as crianças. Se os meninos de nada valem, algo tem de ocupar seu lugar.

Assim, lemos numa notícia: “O tratamento ortopédico, que incluiu até um pino na pata, doeu na fox paulistinha Cindy e no bolso da dona, a geógrafa Letícia Sartori. Depois de gastar uns R$ 7.000 com tratamentos, cirurgias e o parto da cadela, resolveu aderir a um plano de saúde para cachorro".

“É um sofrimento porque ela é como se fosse minha filha. Ela já está mais idosa e começou a dar defeito como carro velho”, diz Letícia, dona da Cindy, de 15 anos. Para não confundir com cachorros muito parecidos, a operadora exige a implantação de um microchip para identificação do animal.

Assim como nos planos de saúde para humanos, o convênio para os animais tem carência, limite de consultas, rede credenciada que varia de acordo com o plano contratado e é mais barato para bichos com menos de 6 anos (“Folha de S. Paulo”, 16-8-2010).

Mas as coisas não param aí. Comenta o Globo: “Alguma coisa está fora da ordem. Cachorros de raças pequenas passeiam em carrinhos de bebê em Ipanema e crianças andam amarradas a coleiras para não se perderem dos pais. Duas foram vistas encoleiradas nos últimos dias: uma no Shopping Leblon e a outra, no Galeão” (16-8-2010). Não é igualdade; é a hierarquia, mas invertida. No caso, os cachorrinhos estiveram no alto dela, e os humanos, no rés-do-chão.

Então, as aberrações vão entrando por toda parte e se implantando. Não há por que duvidar: "tudo vai bem"… bem para baixo! A única solução é fazer nossa parte e confiar em Nossa Senhora.
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Léo Daniele é colaborador da ABIM

2 comentários:

Paulo Roberto Campos disse...

Muito bem concebida a aplicação -- feita pelo autor desse artigo -- do “Tout va très bien, madame la marquise”, com o triste otimismo em certo tipo de mentalidade “nacional”, que sempre “vê tudo azul”, ainda quando o panorama da situação no Brasil esteja “pegando fogo”.

Para aqueles que ainda não conhecem a letra da cançoneta, “Tout va très bien, madame la marquise”, abaixo segue o texto em francês e em português.

E para aqueles que desejarem ver uma espirituosa apresentação teatralizada com a pitoresca historinha da Madame la Marquise, podem assisti-la no seguinte link:

http://www.youtube.com/watch?v=zdf1mLPyJ90&NR=1&feature=fvwp

_______________
Allô, allô James !
Quelles nouvelles ?
Absente depuis quinze jours,
Au bout du fil
Je vous appelle ;
Que trouverai-je à mon retour ?

Tout va très bien, Madame la Marquise,
Tout va très bien, tout va très bien.
Pourtant, il faut, il faut que l'on vous dise,
On déplore un tout petit rien :
Un incident, une bêtise,
La mort de votre jument grise,
Mais, à part ça, Madame la Marquise
Tout va très bien, tout va très bien.

Allô, allô Matin!
Quelles nouvelles ?
Ma jument gris' morte aujourd'hui !
Expliquez-moi
Valet fidèle,
Comment cela s'est-il produit ,

Cela n'est rien, Madame la Marquise,
Cela n'est rien, tout va très bien.
Pourtant il faut, il faut que l'on vous dise,
On déplore un tout petit rien :
Elle a péri
Dans l'incendie
Qui détruisit vos écuries.
Mais, à part ça, Madame la Marquise
Tout va très bien, tout va très bien.

Allô, allô Pascal!
Quelles nouvelles ?
Mes écuries ont donc brûlé ?
Expliquez-moi
Mon chef modèle,
Comment cela s'est-il passé ?

Cela n'est rien, Madame la Marquise,
Cela n'est rien, tout va très bien.
Pourtant il faut, il faut que l'on vous dise,
On déplore un tout petit rien :
Si l'écurie brûla, Madame,
C'est qu'le château était en flammes.
Mais, à part ça, Madame la Marquise
Tout va très bien, tout va très bien.

Allô, allô Lucas!
Quelles nouvelles ?
Notre château est donc détruit !
Expliquez-moi
Car je chancelle
Comment cela s'est-il produit ?

Eh bien ! Voila, Madame la Marquise,
Apprenant qu'il était ruiné,
A pein' fut-il rev'nu de sa surprise
Que M'sieur l'Marquis s'est suicidé,
Et c'est en ramassant la pell'
Qu'il renversa tout's les chandelles,
Mettant le feu à tout l'château
Qui s'consuma de bas en haut ;
Le vent soufflant sur l'incendie,
Le propagea sur l'écurie,
Et c'est ainsi qu'en un moment
On vit périr votre jument !
Mais, à part ça, Madame la Marquise,
Tout va très bien, tout va très bien.

* * *

Nao cabendo aqui a versao em português vou postá-la no próximo quadro.

Paulo Roberto Campos disse...

Tendo postado no quadro anterior a verão original da cançoneta “tout va très bien, madame la marquise”, segue agora a versão em português:

Alô, alô, James!
Quais são as novas?
Ausente há 15 dias,
eu telefono para saber
O que encontrarei no meu retorno?

Tudo vai muito bem, Senhora Marquesa,
Tudo vai muito bem, tudo vai muito bem.
Mas é necessário que eu vos diga
Ocorreu algo insignificante, porém lamentável:
Um incidente, uma bobagem,
a morte da vossa égua cinzenta,
Mas, fora isso, Senhora Marquesa,
tudo vai muito bem, tudo vai muito bem.

Allô, allô Martin!
Quais são as novas?
A minha égua cinzenta morreu hoje!
Explica-me,
Fiel Empregado,
Como é que isso aconteceu?

Aquilo não foi nada, Senhora Marquesa,
Aquilo não foi nada, tudo vai muito bem.
No entanto é necessário que eu vos conte
Sobre um pequeno incidente, um “quase nada”:
Ela morreu
no incêndio
Que destruiu as vossos estábulos.
Mas, fora isso, Senhora Marquesa,
tudo vai muito bem, tudo vai muito bem.

Allô, allô Pascal !
Quais são as novas?
Então meus estábulos queimaram-se?
Explica-me,
meu empregado modelo,
como isso aconteceu?

Aquilo não foi nada, Senhora Marquise,
aquilo não foi nada, tudo vai muito bem.
No entanto é necessário que eu vos conte,
Sobre um pequenino, mas lamentável, incidente:
Se a cavalariça queimou, Senhora,
Foi por que o castelo estava chamas.
Mas, fora isso, Senhora Marquesa,
Tudo vai muito bem, tudo vai muito bem.

Alô, alô Lucas!
Quais são as novas?
O nosso castelo então foi destruído!
Explica-me
porque não entendo
como isso aconteceu?

Pois bem, Senhora Marquesa,
Ao saber que estava arruinado,
Mal refeito da surpresa,
E vendo-se sem opção,
O Senhor Marquês se suicidou,
Ele pegou todas as velas,
E pôs fogo em todo o castelo
Que se consumiu de alto a baixo;
E o vento soprando sobre o incêndio,
O propagou até ao estábulo,
E foi assim, nesse momento,
Que vossa égua veio a falecer!
Mas, fora isso, Senhora Marquesa,
Tudo vai muito bem, tudo vai muito bem.