sábado, 29 de setembro de 2012

O celibato eclesiástico vem da ligação sobrenatural do Sacerdote católico com Cristo, o Sumo-Sacerdote

Imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo Sumo Sacerdote – Catedral de Salvador, BA (Foto PRC)

Luiz Sérgio Solimeo 

Em épocas de crise, sempre surgem pretensos reformadores com soluções “geniais”, que não consistem em outra coisa senão em demolir as mais veneráveis tradições da Igreja.

Um dos alvos mais constantes desses pretensos reformadores tem sido o celibato eclesiástico, uma das glórias da Igreja latina.

Abandono do celibato e divórcio 
É curioso que, juntamente com a abolição do celibato clerical, vem o abandono da indissolubilidade do matrimônio. E compreende-se: julgando-se impossível a guarda da castidade, não é só a continência celibatária que cai por terra, mas também a castidade conjugal, a fidelidade no matrimônio.

Historicamente vemos que foi o que se deu com os cismáticos orientais, os protestantes, anglicanos, etc. A abolição total ou parcial do celibato clerical veio conjuntamente, ou foi precedida, da permissão para o divórcio.

Os atuais escândalos sexuais, tão noticiados pela mídia, têm servido de pretexto para um recrudescimento da campanha contra o celibato eclesiástico. Setores da mídia, organizações de padres-casados, de católicos liberais, vêm insistido no assunto. Além dos argumentos pseudo-científicos que visariam provar a impossibilidade da guarda da castidade, está sendo muito difundido o argumento de que o celibato é uma disposição puramente disciplinar, introduzido tardiamente na legislação da Igreja e que pode ser abolido sem maiores problemas. Ou, ao menos pode ser tornado optativo, com sacerdotes casados ou célibes, conforme decisão pessoal. Na verdade, inúmeros estudos, muitos deles recentes que desmentem por completo esse argumento pretensamente histórico-canônico.[1]

Prática da continência na Igreja primitiva
Esses estudos, com base em sólida documentação e irrepreensível documentação mostram que, embora não se possa falar em celibato no sentido estrito da palavra — isto é pessoa que nunca se casou —, é certo que desde os tempos apostólicos a Igreja teve como norma que aqueles que eram elevados ao Sacerdócio e ao Episcopado (como também os Diáconos) deviam guardar a continência. Caso fossem casados, o que era muito comum nos inícios da Igreja eles deviam, com o consentimento das esposas cessar a vida conjugal e inclusive de habitar sob o mesmo teto.

Vamos seguir aqui mais diretamente o breve, mas denso estudo do Cardeal Alfons Stikler [foto], pela sua autoridade de historiador do Direito Canônico e antigo bibliotecário da Santa Igreja.

Segundo explica ele, a Igreja dos tempos apostólicos e a Igreja primitiva não exigiam que uma pessoa fosse solteira ou viúva para ser ordenada sacerdote ou designada bispo.

Tendo em vista que grande número dos cristãos era composta de convertidos, às vezes na idade adulta (o caso de Santo Agostinho, convertido aos 30 anos, é típico), era comum que um casado fosse ordenado sacerdote e feito bispo. Mas, como se lê nas Epístolas de São Paulo a Tito e a Timóteo, o Bispo devia ser “homem de uma só mulher”,[2] no sentido de ter sido casado uma só vez.

Com efeito, julgava-se que uma pessoa que, tendo ficado viúva, tinha casado de novo, dificilmente teria força suficiente para cessar as relações conjugais e a convivência sob o mesmo teto. É evidente, salienta o Card. Stikler, que, dado o caráter de mútua entrega do matrimônio, tal separação só podia efetivar-se com inteiro acordo da esposa, a qual, por sua vez, se comprometia a viver na castidade em uma comunidade feminina.

A confirmação pelos Evangelhos
Em relação aos Apóstolos, só de São Pedro sabemos com certeza que fosse casado, pois sua sogra é mencionada nos Evangelhos.[3] Mas é possível que outros também o fossem. Mas temos a indicação clara de que eles abandonaram, inclusive a família, para seguir a Cristo.

Assim, lemos nos Evangelhos que quando São Pedro perguntou a Nosso Senhor, “Vê, nós abandonamos tudo e te seguimos”. Jesus respondeu: Em verdade vos declaro: ninguém há que tenha abandonado, por amor do Reino de Deus, sua casa, sua mulher, seus irmãos, seus pais ou seus filhos, que não receba muito mais neste mundo e no mundo vindouro a vida eterna.[4] Não caberia neste artigo acompanhar toda a história do celibato, conforme a ampla documentação citada pelo Card. Stikler. Resumidamente, apresentamos alguns dados mais salientes.

Já o Concílio de Elvira, na Espanha (310 A.D), no Cânon 33, ao tratar da continência sacerdotal, apresenta o celibato como uma norma que deve ser mantida e observada e não como uma inovação. E o fato de não ter havido nem revolta nem surpresa mostra que essa era a realidade.

O mesmo se dá no Concílio da Igreja da África, por volta de 390 e sobretudo no Concílio de Cartago, também no norte da África, (ano 419), do qual participou nada menos do que Santo Agostino. Esses Concílios lembram a práxis eclesiástica da obrigação do celibato, afirmando que tal praxe é de tradição apostólica.

Celibato não foi introduzido na Idade Média
O Papa Siricius, respondendo em 385 a uma consulta específica sobre a continência clerical, afirma que os Bispos e padres que continuam suas relações conjugais após sua ordenação vão contra uma irrevogável lei que os liga à continência e que vem desde os começos da Igreja.

Vários outros Papas e Concílios regionais, em especial na Gália, continuaram a lembrar a tradição do celibato e a punir os abusos.

Na luta que São Gregório VII travou no século XI contra a intervenção do Imperador do Sacro Império em assuntos eclesiásticos, conhecido como a querela das investiduras, ele teve que combater a simonia — a compra dos cargos eclesiásticos —, e o nicolaísmo — heresia que prega, entre outras coisas, o casamento clerical.

Não foi esse Santo, como alegam muitos, ou o Segundo Concílio de Latrão (1139) que “introduziram” a lei do celibato na Igreja; eles apenas confirmaram a vigência de uma disposição que vinha desde o início da Igreja, e tomaram disposições para manter a sua observância. Esse concílio lateranense não somente confirmou a lei da continência, mas declarou nulo o casamento tentado por sacerdotes e diáconos ou por aqueles ligados por votos solenes de Religião.

Erros e falsificações
O principal argumento daqueles que negam a tradição apostólica da continência clerical é que, durante o Primeiro Concílio de Nicéia, em 325, um Bispo e Ermitão famoso, Paphnutius, do Egito, teria se levantado, em nome da tradição, para dissuadir os Padres Conciliares, de impor a continência clerical. Diante de tal intervenção, o Concílio teria se negado a impor tal continência.

Ora, argumenta o Cardeal, o historiador desse Concílio, que esteve presente nele, Eusébio de Cesarea, não faz referência a esse fato, o qual, a ter existido, teria chamado sua atenção. A menção a Paphnutius só aparece quase um século depois, na pena de dois escritores bizantinos, Socrates e Sozomen, sendo que o primeiro dá como fonte uma conversa que teve quando jovem com um velho que teria participado daquele Concílio. No entanto, tal afirmação é muito questionável, pois Socrates nasceu por volta de 380, ou seja, mais de cinquenta anos após o Concílio, o que faz com que sua pretensa fonte fosse ao menos septuagenária quando ele nasceu, e praticamente nonagenária quando ele fosse um rapaz.

A história da intervenção de Paphnutius sempre foi tida em suspeição, inclusive porque seu nome não consta da lista de Padres vindos do Egito para o Concílio de Nicéia, como atesta Valesius, editor das obras de Socrates e Sozomen na Patrologia Grega de Migne.

Mas, o argumento decisivo, segundo o Card. Stikler, é o de que os próprios gregos não apresentaram o testemunho de Paphnutius para justificar sua ruptura com a tradição da continência clerical. Quando, no segundo Concílio de Trullo (691), por pressão do Imperador, permitiram o uso do matrimônio para os clérigos (não para os Bispos) — contrariando a tradição tanto do Oriente como do Ocidente — foram buscar no Concílio de Cartago, acima citado, uma possível justificação. Mas, posto que esse Concílio era claro na defesa da tradição apostólica da continência, foi necessário falsificar seus decretos, como é reconhecido, hoje em dia, pelos próprios historiadores cismáticos.

O Card. Stikler lamenta que historiadores do peso de Funk, no fim do século XIX, tenham aceitado como válida a história de Paphnutius, quando, em sua época, a crítica histórica já havia rejeitado sua veracidade. O francês Vacandard, através do prestigioso Dictionnaire de Théologie Catholique, foi um dos responsáveis pela divulgação desse erro.

União com Cristo Sacerdote
Conforme argumenta o Card. Stikler, a razão do celibato eclesiástico não é funcional. Ao contrário do Antigo Testamento, em que o Sacerdócio era apenas uma função temporária, recebida por via hereditária, o Sacerdócio do Novo Testamento é uma vocação, um chamado que transforma a pessoa e o confisca por inteiro. Ele é um santificador, um mediador.

Mais do que tudo, o Sacerdócio do Novo Testamento é uma participação no Sacerdócio de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Sumo Sacerdote. E, portanto, o Padre tem uma ligação misteriosa e especial com Cristo, em cujo nome e por cujo poder ele oferece o sacrifício incruento (in persona Christi). Portanto, é dessa ligação sobrenatural com o Salvador que vem a razão mais profunda do celibato sacerdotal.

O que existe hoje, aponta o Cardeal, é uma crise de identidade no clero, da qual decorre a crise do celibato. É preciso restaurar a verdadeira identidade do sacerdote, para que ele compreenda as razões profundas de seu celibato e, portanto, de sua vocação.

Esperemos que, com a ajuda da graça, se restaure, o quanto antes, a verdadeira identidade do sacerdote católico, para que cessem todos os desatinos do momento presente.

De nada serviria aos padres-casados e aos simpatizantes voltar às origens da Igreja… Essas origens não permitiriam que eles coabitassem com suas esposas e praticassem o ministério sacerdotal.
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Notas: 
[1] Cf. Pe. Christian Cochini, S.J, Apostolic Origins of Priestly Celibacy,(Ignatius, San Francisco, 1990); Cardeal Alfons Maria Stickler, The Case for Clerical Celibacy, (Ignatius, San Francisco, 1995); e o Pe. Stefan Heid, Celibacy in the Early Church, (Ignatius, San Francisco, 2000). 
[2] I Timótio 3:2; 3:12; Tito 1:6. 
[3] S. Mateus, 8:14: S. Marcos, 1:29; S. Luccas, 4:38. 
[4] S. Lucas, 28:31; Cf. S. Mateus 19:27-30: S. Marcos 10:20-21.
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 (*) Luis Sérgio Solimeo é colaborador da Agência Boa Imprensa (ABIM)

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