A despótica e boçal invasão da pequena Geórgia pela Rússia, seguida da declaração de independência da Ossétia do Sul e da Abejácia, abalaram profundamente a política internacional.
Foi uma vitória política da Rússia, dado o importante papel estratégico da Geórgia no Cáucaso. Além de aliada dos Estados Unidos e da Europa e potencial candidata a integrar as forças da NATO, seu território é atravessado por dutos de gás e de petróleo ligando o Azerbaijão à Turquia, atenuando nesse particular a dependência da Europa com relação à Rússia.
Putin, para quem a maior tragédia geopolítica do século XX foi o desmoronamento da União Soviética, começou assim a sua reconstrução pela invasão da Geórgia. E soube medir bem a ocasião. Pois dificilmente o governo norte-americano, às vésperas de uma eleição tão crucial como a de novembro próximo, estaria disposto a intervir militarmente em defesa de sua aliada. Tanto mais que ele já está empenhado em duas campanhas militares: no Iraque e no Afeganistão.
Além dos Estados Unidos,
o ditador do Kremlin, com seu olhar viperino e sorriso sardônico, também sabia que a Europa não reagiria, porquanto ele a tem amarrada pelo pescoço com uma corda de aço – que a própria Europa comprou e colocou em suas mãos, cumprindo assim as palavras de Lenine de que
“os burgueses comprarão a corda com a qual serão enforcados” – e que é o gasoduto da Gazprom, através do qual lhe chegam o gás e o petróleo russos.
Da boa vontade de Putin depende, pois, a sobrevivência da Europa. A qual, por sua vez, dependerá da “boa vontade” que os europeus demonstrem em relação aos desígnios do Kremlin.
Se o “general inverno” derrotou Napoleão na Rússia, esse mesmo temido “general” poderá derrotar a Europa inteira, se a Rússia decidir, por exemplo, fechar o fornecimento de gás durante o inverno.
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Cumpre não exagerar o alcance da vitória do ponto de vista militar. Pois isto depende da ocasião, da estratégia, da qualidade e quantidade dos armamentos e de soldados, bem como do porte e do grau de resistência do adversário.
Do modo como a Rússia submeteu a Geórgia, vitorioso também seria um paralítico que depois de mais de 20 anos dá seu primeiro passo. Mas daí a concluir que ele está em condições de competir nas Olimpíadas é ir longe demais. Entretanto é como a Rússia foi apresentada nesse episódio: a ganhadora de todas as “medalhas de ouro” que os títeres de Pequim tanto gostariam de lhe outorgar a propósito da “olimpíada georgiana”.
De mais a mais, para fazer sua
rentrée no cenário internacional, depois de tantos fracassos, a Rússia agiu à maneira das fêmeas de certos animais: instruem seus filhotes a caçar só pequenas presas. Derrotar uma diminuta e insuficientemente militarizada Geórgia, logo ali ao seu lado, só pode ser considerado militarmente grande para quem havia sido sovado, no fastígio de seu poder, por um pequeno país – a Finlândia – que pôs para correr as “poderosas” tropas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
A Rússia de Putin está como um leproso saído do fundo do bueiro malcheiroso em que a relegaram sete décadas de socialismo.
Desse mesmo socialismo utópico e malsão que a quase totalidade dos nossos atuais governantes sul-americanos de boina, de terno, de saia ou de sandália (é a última modalidade) estão apresentando, na contramão da História – e das respectivas opiniões públicas, cumpre frisar! – como novidade para o século XXI.
Quem sai de um bueiro retrata necessariamente o ambiente nele reinante: esta foi a impressão causada pelas “tropas de elite” e pela “tecnologia de ponta” russas sobre quem observou os diversos filmes mostrando suas forças atuando na Geórgia: soldados quase maltrapilhos criticando os próprios superiores militares que os enviaram sem o devido preparo, bem como equipamentos um tanto desconjuntados.
Além de tais soldados, os contingentes russos eram acrescidos de aventureiros paramilitares sem qualquer compostura, que nada respeitavam, matando, saqueando, violando e queimando a seu bel prazer.A má qualidade dos equipamentos russos e o fraco desempenho de suas tropas foram criticados sem peias nas páginas de “The Moscou Times” (16-08-08), ao afirmar que elas estão sucateadas, e seus soldados insuficientemente treinados. Se, portanto, o apresentado pela Rússia na Geórgia for de fato uma amostra, e não uma dissimulação para ocultar alguma surpresa, suas Forças Armadas padecem de um grande atraso. Pelo menos no tocante aos armamentos convencionais.
Por sua vez, se os inexperientes dirigentes georgianos estivessem compenetrados de sua importância estratégica, teriam agido diferentemente. Não intervir na Ossétia do Sul, oferecendo de bandeja à Rússia o pretexto que ela tanto desejava.
Com efeito, nem tudo aquilo a que se tem direito pode ser factível. Cumpre examinar as circunstâncias, os riscos, os prós e os contras, ponderar bem cada ação. Se alguém, por exemplo, for credor de um indivíduo que além de mais forte tem passado criminoso, pensará duas vezes no
modus operandi para reaver o seu dinheiro. Poderá decidir até em perdê-lo, como mal menor. Esse criminoso mais forte era a Rússia, e o seu credor, a Geórgia.
Segundo declarou o subchefe do Estado Maior das Forças Armadas da Rússia, general Anatoly Nogovitsyn, a Geórgia pode simplesmente esquecer-se da idéia de retomar o controle das duas províncias secessionistas – Ossétia do Sul e Abjazia. As tropas russas – apesar de um tratado de paz prevendo a sua retirada ter sido assinado – permanecem na Geórgia e destruíram praticamente toda a sua infra-estrutura.
Enquanto isso acontecia, os Estados Unidos assinavam no dia 14 de agosto um acordo com a Polônia, para a instalação de um escudo antimíssil ao norte daquele país. O Kremlin reagiu indignado ante o desplante daquele satélite que saíra de sua órbita, tendo o mesmo general Nogovitsyn declarado que isso era inadmissível,
podendo dar lugar a uma represália nuclear contra a Polônia. Por seu turno, a Ucrânia, de um lado, e os países bálticos – Lituânia, Estônia e Letônia –, de outro, também ex-satélites da União Soviética, hipotecaram decidida e total solidariedade ao governo e ao povo da Geórgia, advertindo de que serão os próximos alvos da Rússia caso o Ocidente não reaja agora à altura.
Tudo se deve fazer para evitar o mal. Mas quando, apesar de tudo, este se apresenta, deve-se procurar tirar dele um bem. Assim, apesar da enorme apatia – para dizer pouco – com que muitos europeus assistem ao desenrolar dos acontecimentos políticos e sociais no Velho Mundo, permitindo, entre outras coisas, que a soberania de seus países venha a ser posta em xeque – não só por pela própria Europa Unida, mas também pela Rússia –, felizmente tem havido, em amplos setores, um sobressalto em decorrência do sucedido na Geórgia. Parece que tais setores, sobretudo na Alemanha, estão abrindo os olhos para essa realidade – a respeito da qual felizmente nunca duvidamos – qual seja a da falácia da morte do comunismo.
Não permita a Divina Providência que, para escapar da fatídica “corda” colocada no seu pescoço, a própria Europa não venha a obter as benesses do Kremlin através da constituição da União Européia segundo os moldes do Tratado de Lisboa em boa hora rejeitado pelos simpáticos irlandeses. Seria uma verdadeira
União das Repúblicas Soviéticas da Europa – como muitos a vêm denominando – sob o tacão de uma ditadura burocrática, imoral e atéia, comandada desde Bruxelas e sem nenhum nexo com o seu passado cristão.
_________(*) Hélio Viana é colaborador da Agência Boa Imprensa (ABIM)