sábado, 25 de fevereiro de 2012

Afinal, o que é o Céu?

Procure contemplar a natureza com todas as suas belezas criadas e pense no Céu. Por maiores que sejam as riquezas e as belezas da Terra, não há termo de comparação com as riquezas e belezas da eternidade.
Pe. David Francisquini (*)

Já escrevi sobre a glória que nos é reservada no Céu, onde desfrutaremos do banquete que nos foi preparado desde toda eternidade. Volto ao tema. Começarei com alguns ensinamentos de Santo Antonio Maria Claret, homem de firmeza inquebrantável, cujo lema foi: A Dios orando y com el mazo dando! (A Deus rezando e com o porrete golpeando).

Segundo este catequista e missionário, formador do clero e diretor de almas, teremos no Céu bens essenciais e acidentais. Os primeiros consistem na contemplação e no deleite de Deus, além do conhecimento dos mistérios da natureza e da graça. Desse entendimento resulta um amor, um contentamento inefável e uma felicidade que durará por todos os séculos dos séculos.

Os bens acidentais, como glória, paz, júbilo, bem-estar, harmonia, são atributos com os quais os justos ou santos se apreciam e se amam como filhos de Deus, como irmãos e como amigos. Tais bens ultrapassam o entendimento humano, mas constituirão verdadeiras auréolas para as almas que conseguirem vitórias assinaladas contra o demônio, as vaidades e as pompas do mundo.

São Paulo testemunhou o seu arrebatamento ao terceiro Céu, onde viu algo impossível de se exprimir com linguagem humana. Para quem não viu o Céu, impossível descrever tantas belezas, harmonias e prazeres que Deus preparou para os que O amam.

O Apóstolo deixou consignado que vista jamais viu, ouvido jamais ouviu e jamais entrou no coração do homem o que Deus preparou para ele, pois os bem-aventurados gozarão no Céu conforme os seus merecimentos: “Quem semeia parcamente, parcamente colherá; e quem semeia abundantemente, com abundância colherá”.

Reino magnífico, onde todos se sentem felizes sob a autoridade do Pai. Lugar sem sofrimento nem tristeza, sem rivalidade nem inveja; todos estão irmanados numa família triunfante a desfrutar de todos os bens e a contemplar Deus face a face sem fastio, sem tédio, sem torpor, sem indolência. Afinal, todos se encontram livres do pecado e das penas temporais, pois nada de impuro entra no reino dos Céus.

Conta-se que certo monge, ao meditar sobre o Céu, tinha dificuldade em entender um bem que pudesse saciá-lo sem cansar. Certa feita meditava ele pelos jardins do mosteiro quando lhe apareceu um lindo pássaro a cantar. Arrebatado, o religioso o foi seguindo, seguindo, até uma região desconhecida, mas de indescritível beleza. Era sua intenção apoderar-se do misterioso passarinho. 

Pôde apreciar palácios encantadores, fortificações, muralhas que nem mesmo todo o ouro da terra teria bastado para edificar. Numa palavra, um reino de esplendor e majestade. De repente, como que se despertando de um sonho, o monge golpeia a porta do convento, pois já imaginava um tanto atrasado para a próxima hora do Ofício Divino.

Qual não foi o seu espanto ao perceber que ninguém o conhecia e vive-versa, ainda que ele afirmasse ter-se ausentado apenas por um lapso de tempo... Diante da insistência, o prior resolveu consultar os registros do convento. E lá encontrou o relato do sumiço de um monge cerca de cem anos atrás. Ao ouvir o nome e as circunstâncias do misterioso desaparecimento, o monge se identificou, mas sem se conformar com tanto tempo passado. Uma antevisão do Céu? A lenda o diz.

Mas, afinal, o que é o Céu? — São Bernardo responde assim: “No Céu não há nada que nos desagrada e faz sofrer, pois ali existe todo bem que faz deleitar e cumular a alma de uma felicidade e alegria sem par”. Já Santo Afonso descreve como sendo um lugar “onde não existe a sucessão de dias e noites, de calor e frio, mas um dia perpétuo e sempre sereno, contínua primavera deliciosa e perene. Não há perseguições nem ciúmes, porque nesse reino de amor, todos se amam com ternura, e cada um goza da felicidade dos demais como se fosse a sua própria”.

Se o prezado leitor deseja um dia entrar no Céu, rogue a Deus conceder-lhe uma vontade resoluta em vencer as tentações do maligno e observar a santa lei do Criador; frequente os sacramentos, sobretudo a confissão e a comunhão; tenha uma ardentíssima devoção a Nossa Senhora, bem como ao anjo-da-guarda, nosso fiel amigo e advogado.

Procure contemplar a natureza com todas as suas belezas criadas e pense no Céu. Por maiores que sejam as riquezas e as belezas da Terra, não há termo de comparação com as riquezas e belezas da eternidade.
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(*) Sacerdote da igreja do Imaculado Coração de Maria, Cardoso Moreira - RJ

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O inferno cubano e o silêncio vaticano

Armando F. Valladares

No dia 19 de janeiro p.p. — a dois meses da viagem de S.S. Bento XVI à ilha-prisão de Cuba e 24 horas antes da chegada de uma delegação vaticana de alto nível para ultimar detalhes da visita papal — o regime cubano, à maneira de uma gargalhada macabra, deixava morrer o jovem preso político Wilman Villar Mendoza [foto ao lado]. Ele era pai das meninas Geormaris e Wilmari, de 7 e 5 anos. Uma morte cruel que sua esposa, Maritza Pelegrino, não duvidou em qualificar de “assassinato”.

Tendo sido condenado a prisão em 24 de novembro de 2011, Wilman decidiu, num ato de desespero, protestar diante do mundo contra a sua condenação — e, sobretudo, contra a situação de escravidão em que jaz seu querido povo cubano — com a única coisa que julgou ter em mãos: uma greve de fome, cujo objetivo não era o de atentar contra a sua própria vida, mas de usá-la, em seu extremo abandono e aflição no fundo das masmorras castristas, como um modo muito arriscado de protesto.

Ele foi isolado e deixado nu numa cela úmida e fria, contraindo pneumonia. Seus verdugos — como já haviam feito com o também preso político e dirigente estudantil Pedro Luis Boitel, por ordens do próprio Fidel Castro, em 1972, e com Orlando Zapata Tamayo em 2010 — não lhe deram a devida atenção médica, nem água para ingerir. Ainda tentaram, mediante promessas mentirosas de libertação, que ele renegasse suas ideias em prol de uma Cuba liberta, digna e próspera. Mas percebendo que não podiam quebrar-lhe a resistência, não somente o deixaram morrer, como aceleraram a sua morte com a falta de atenção médica adequada.

Em Cuba, as Damas de Branco, das quais fazem parte a viúva de Wilman e opositoras da estatura de Martha Beatriz Roque Cabello, foram as primeiras a denunciar ao mundo, no dia 24 de novembro de 2011, a arbitrária prisão de Wilman. Foram também as primeiras a condenar a atitude criminosa do regime comunista, consumada em 19 de janeiro, tendo sido secundadas pelos governos da Espanha, Estados Unidos e Chile. Elas receberam a solidariedade emocionante de cubanos da ilha, bem como de desterrados e de amantes da dignidade humana, da liberdade e do direito no mundo inteiro. A fundadora das Damas de Branco, Laura Pollán, morreu no ano passado num hospital, por falta de assistência médica.

Em sentido contrário, os silêncios mais clamorosos, que me conste, foram os da Secretaria de Estado da Santa Sé, do Cardeal de Havana, D. Jaime Lucas Ortega y Alamino, e da Conferência Episcopal Cubana.

O caso desesperador do jovem Wilman era de conhecimento público havia dois meses. Aqueles Pastores tiveram, portanto, muito tempo para falar, interceder pela sua liberdade e dar-lhe assistência espiritual no cárcere, e inclusive para lhe advertir com caridade que a Igreja se opõe às greves de fome, apresentando as razões de tal oposição. Eles tiveram muito tempo para exigir uma assistência médica adequada e deixar claro aos carcereiros que estes já não mais podiam continuar agindo impunemente. Mas, até hoje, que me conste, eles permanecem num inexplicável silêncio.

Será que tais Pastores não conhecem o opróbrio e a injustiça de que são vítimas os presos políticos em Cuba, ou conhecem e permanecem indiferentes? Será que não estão a par da violação institucionalizada de todos e de cada um dos Mandamentos da Lei de Deus, ou estão e também são indiferentes a esse fato marcante? Não ouvem esses gritos de desespero e angústia que brotam dos cárceres cubanos? Esse drama inimaginável nada lhes fala e não lhes sugere outra atitude a não ser esse pesado silêncio?

Através de conhecidos motores de busca da Internet, procurei localizar, da parte de alguma autoridade eclesiástica vaticana ou cubana, sequer uma declaração de consolo cristão para a família do preso político; ou a narração de eventuais tratativas junto aos carcereiros; ou ainda uma oração pedindo misericórdia divina para Wilman e alento para o escravizado povo cubano. Mas, até o momento, nada disso encontrei.

Também de modo infrutífero tentei encontrar ao menos uma referência noticiosa à morte de Wilman no “Osservatore Romano”, na Rádio Vaticano, nas duas maiores agências católicas — Zenit e ACI —, no site web da Conferência Episcopal Cubana, nos sites web Espacio Laical y Palabra Nueva, da Arquidiocese de Havana. Quanto eu desejaria que os fatos me desmentissem!

Esse silêncio de Pastores chamados a dar a vida pelas suas ovelhas produz tanto ou mais sofrimento do que o próprio assassinato de um jovem membro do rebanho.

Silêncio mais pesado pelo fato de ter sido clamorosa a insistência pública de SS. Bento XVI e da Santa Sé em prol da defesa dos direitos da pessoa humana. Silêncio enigmático e desconcertante da diplomacia vaticana do qual, segundo destacados jornalistas, uma das raízes históricas parece estar no próprio silêncio do Concílio Vaticano II em relação ao comunismo, ao conceder aos lobos total liberdade para dizimar o rebanho em Cuba, nos países do Leste europeu, na Rússia, na China, no Vietnã etc.

O regime castrista, aparentemente tão seguro de sua impunidade, nem sequer teve o trabalho de fuzilar Wilman, Boitel e Orlando. Deixou-os morrer de um modo como não se faz sequer com animais selvagens.

O desamparo em que ficaram sua jovem viúva e suas duas filhinhas [foto] doentes — uma epiléptica e a outra com sérios problemas respiratórios — é um reflexo dilacerante do atual drama do povo cubano. Segundo versão recebida de Cuba pelo meu companheiro de presídio e hoje brilhante jornalista Carlos Alberto Montaner, as duas crianças não entendem o que aconteceu com o seu querido pai. Como a família tem influência cristã, a mãe lhes explicou que ele foi para o Céu. “E onde está o Céu, mamãe?” — perguntaram. “Muito longe de Cuba. Muito longe” — respondeu a jovem viúva.

É aos artífices, aos propulsores e aos mantenedores do Inferno cubano — tão, mas tão longe do Céu — a quem o silêncio vaticano favorece em primeiro lugar.

Sobre a viagem papal à ilha-prisão, escrevi no dia 1º. de janeiro de 2011 o artigo “A viagem de Bento XVI a Cuba: esperanças e preocupações”, publicado dois dias depois no “Diário Las Américas” de Miami e difundido por centenas de blogs, sites web e redes sociais de cubanos desterrados e defensores da liberdade do mundo inteiro.
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Armando Valladares – Escritor, pintor e poeta, padeceu durante 22 anos nos cárceres políticos de Cuba. É autor do best-seller Contra toda a esperança, onde narra o horror das prisões castristas. Foi embaixador dos Estados Unidos ante a Comissão de Direitos Humanos da ONU nas administrações Reagan e Bush. Recebeu a Medalha Presidencial do Cidadão e o Superior Award do Departamento de Estado. Escreveu numerosos artigos sobre a colaboração eclesiástica com o comunismo cubano e sobre a Ostpolitik vaticana em relação a Cuba.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

“Costa Concórdia”, “Titanic” do século XXI: presságio de um fim de época?

Costa Concordia: símbolo do afundamento da União Européia? 

Luis Dufaur (*)

O afundamento do “Costa Concordia” rememorou na Europa os tristes presságios levantados pela perda do “Titanic”, escreveu Ben Macintyre, do diário “The Times” de Londres, reproduzido pelo “The Australian“.

Sir Osbert Sitwell viu na tragédia do transatlântico inglês, ocorrida em 14 de abril de 1912, um “símbolo de uma sina que se avolumava sobre a civilização ocidental”. E, de fato, não muito depois, a I Guerra Mundial arrasaria o continente europeu, pondo fim à sua rica, requintada e irrefletida Belle Époque. Foi o fim de uma época.

Hoje, no momento em que a União Europeia naufraga num mar de dívidas, na incerteza política e na instabilidade social, o desastre do luxuoso cruzeiro italiano inspira presságios não menos convidativos à reflexão.

Neste ano em que vai se decidir se o euro afunda ou se permanece à tona, o “Costa Concordia” surge como uma alegoria perfeita da extravagância financeira e da artificialidade da imensa construção europeia.

Um enorme palácio flutuante, de um luxo que faria o “Titanic” ser considerado quinquilharia; de ostentação e gosto discutíveis, mas não por isso menos impressionantes para os nossos dias; esse foi o maior cruzeiro que a Europa da era UE conseguiu construir. Custou o faraônico preço de 572 milhões de euros e foi acabar se desventrando nos recifes de uma simples e poética ilha toscana.

Os desastres — escreveu Macintyre — marcam de um modo poderoso as curvas da História. E assim como o desaparecimento do “Titanic” soou como um gongo para a era vitoriana, o fim do “Costa Concordia” poderia marcar simbolicamente o fim de uma época tão confiada quanto insegura como a nossa.

Em 1912, G. K. Chesterton viu no afundamento do “Titanic” a punição da “modernidade”, de uma era orgulhosa que se auto-adorava num navio fruto de suas mãos e supostamente impossível de afundar, e que acabou reduzido a nada pela natureza que ele acreditava ter dominado para sempre.

O “Costa Concordia” — pergunta Macintyre — pressagiará uma mudança de época comparável, trará uma advertência ou uma eventual punição à obsessão por uma modernidade que adora as velocidades, as construções babilônicas e o luxo “globalizado”?

Acrescentamos nós: uma “modernidade” que pretende atingir o céu desconhecendo a própria moral natural e desafiando as leis do Criador? Esta é uma questão que está no cerne dos anúncios do Céu como os de La Salette e Fátima.
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(*)  Luis Dufaur é colaborar da Agência Boa Imprensa - ABIM