Pe. David Francisquini (*)
Costumo, por ocasião dos festejos do Imaculado Coração de Maria e de Nossa Senhora Aparecida, visitar nosso meio rural, ocasião em que procuro ajudar as famílias com conselhos, bênçãos das casas, dos animais e doação de objetos de piedade. O contato com as almas depende da receptividade de cada lar, mas – em princípio – boa parte do tempo é dedicada aos assuntos do dia-a-dia das pessoas e suas famílias. Ouço de tudo um pouco, deixando as pessoas falarem do que gostam ou necessitam, e vou respondendo de acordo com os princípios do Evangelho.
Em minha mais recente andança, o tema dominante foi a seca: as pedras do fundo dos rios aparecendo, os pastos ressequidos pelo sol causticante, a terra batida e erodida, os animais à procura de alimento e de água, as maritacas barulhentas buscando frutos; mais além, bandos de urubus rodeiam animais mortos, um lagarto ou uma cobra se contorcendo à procura de uma presa. Contemplando os campos vazios de moradores, surgiu em meu espírito a idéia de abandono, de falta de vida, de indolência, de interesse e de progresso.
Em tempos não muito longínquos, essa mesma região era próspera e seus habitantes negavam-se a receber um cargo público, porque era possível enriquecer-se no campo. Havia fartura e facilidade de se obter dinheiro. Hoje no entanto alastra-se a pobreza e as pessoas vão para as cidades já abarrotadas, em busca de dias melhores, tendo que morar em conjuntos habitacionais pobres de arquitetura e de urbanismo, verdadeiros pombais, quando não em favelas, passando a freqüentar botequins, em torno dos quais grassam as drogas, a prostituição e a violência.
Da infertilidade dos campos, transpus-me para a pior das secas, que é a espiritual, observada em nossas cidades, freqüentemente mergulhadas no caos moderno, onde vivem, no mais das vezes, pessoas sem brilho, pela ausência da graça divina. Sem sorriso nos lábios, com semblantes melancólicos, desesperançados; pessoas vestidas de maneira ridícula, sem recato e elegância. Em suas fisionomias transparecem a angústia de andar sem rumo e a falta de perspectiva de vida. Atacadas pelos vícios e pelos demônios, como urubus que avançam sobre a carniça, essas almas deixam-se sucumbir, porque estão religiosamente desorientadas.
Para resolver o problema do campo, notei na sabedoria campestre –– fruto do silêncio e da reflexão –– uma ciência peculiar, digna de ser registrada, tanto mais quanto Nosso Senhor Jesus Cristo ilustrou muito de sua doutrina nos Evangelhos com exemplos da natureza: o semeador que semeia a boa semente; o homem mau que semeia a cizânia; o fermento que leveda a massa; o sal que salga e a luz que ilumina; os lírios do campo que não trabalham, nem fiam...
O meu interlocutor calmo, ponderado, com seu cigarro de palha, não tardou a surgir. Juntos, refletimos sobre a comunicação das águas do solo com as do subsolo e sua comunicação com a atmosfera em forma de vapor. E como tal relacionamento propiciava a formação do clima necessário para que haja vida na terra. Elucubramos ainda como o acontecer na ordem estabelecida por Deus, e trabalhada pelo talento do homem, poderia conduzir a civilização do campo a nobres empreendimentos. Numa transcendência, subimos ao mirante de Deus, ou seja, à ordem sobrenatural.
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(*) Sacerdote da igreja do Imaculado Coração de Maria – Cardoso Moreira (RJ)
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