quinta-feira, 2 de abril de 2009

A sucuri pode comer o boi, mas depois não se move

A absurda demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, com o voto contrário do ministro Marco Aurélio de Mello

Nelson Ramos Barretto (*)

Em artigo intitulado SÓ UM JUSTO, a socióloga Maria Lúcia Víctor Barbosa assim definiu: “O julgamento pelo STF [...] culminou naquilo que já se esperava: a continuidade da área de 1,7 milhão de hectares ou 12 vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Isso significa que essa parte do território nacional [...] pertence agora a uma ‘nação indígena’ e nela não poderão viver ou sequer pisar os chamados ‘não índios’ (termo politicamente correto), como se todos nós, brancos, negros, pardos não fôssemos brasileiros.

“Segundo o ministro Carlos Ayres Britto, os arrozeiros devem ser expulsos imediatamente da reserva, como se bandidos fossem. Note-se que os ‘não índios’, que compõem 1,5% dos habitantes do local, produzem 70% do arroz de Roraima, ou 106 mil toneladas das 11,04 milhões que são produzidas em todo o Brasil.

“Só um justo, o ministro Marco Aurélio de Mello, votou contra a abstrusa demarcação. O ministro foi, além de justo, corajoso, coerente, clarividente, lúcido. Mas, só um justo não salva o Brasil. [...] Aos índios foi dado o direito de voltar ao atraso primitivo, de se aliar aos que vindo de fora quiserem se estabelecer nas terras de ninguém, ou seja, dos 18 mil índios, gatos pingados naquele ermo sem defesa. Que venham os ‘companheiros das Farc’, os ‘cobiçosos estrangeiros’, os madeireiros, os ‘predadores’ de todo o tipo que devastam a natureza e levam a riqueza que o País estupidamente não sabe usar. Ninguém vai tomar conhecimento”.(1)
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Em seu voto de 120 páginas, o ministro Marco Aurélio apontou inúmeros vícios no procedimento administrativo para definir a área. Por exemplo, não se poderiam desconsiderar os títulos de propriedade reconhecidos como de “bom valor pelo Estado”. E foi além ao considerar as limitações à liberdade de ir e vir de brasileiros na área, qualificando-as de um “verdadeiro apartheid”, que sequer interessa aos índios já num adiantado aculturamento.

Ele alegou que o Brasil poderá até ser levado a responder perante entidades internacionais, se deixar de reconhecer a legalidade de títulos de determinadas terras por meio de processo judicial transitado em julgado. “Cumpre asseverar ser direito humano a proteção da propriedade privada”.
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Marco Aurélio de Mello ressaltou a previsão acertada do inspirador da revista Catolicismo:

“Também vale registrar que, em 1987, o professor Plinio Corrêa de Oliveira, autor de ‘Tribalismo Indígena –– Ideal Comuno-Missionário para o Brasil no Século XXI’, diante dos trabalhos de elaboração da Carta de 1988, advertiu: ‘O Projeto de Constituição, a adotar-se em uma concepção tão hipertrofiada dos direitos dos índios, abre caminho a que se venha a reconhecer aos vários agrupamentos indígenas uma como que soberania diminutae rationis. Uma autodeterminação, segundo a expressão consagrada (Projeto de Constituição angustia o País, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1987, p. 182; e p. 119 da obra citada).

“Proféticas palavras tendo em conta, até mesmo, o fato de o Brasil, em setembro de 2007, haver concorrido, no âmbito da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, para a aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Indígenas”.

Quem assistiu à sessão do STF saiu perplexo: como pôde aquela Corte voltar-se contra a Nação e o povo brasileiro? A Câmara e o Senado formaram comissões especiais, analisaram essa demarcação e concluíram pela sua rejeição.

Por outro lado, a população indígena manifestou-se, em sua maioria, contrária à demarcação, e por isso não foi consultada. Prevaleceu a opinião do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), ligado e financiado por ONGs e a esquerda católica.

Igualmente, as Forças Armadas rejeitaram essa política indigenista, com destaque para as declarações do General Augusto Heleno, Comandante da Amazônia, que a classificou de “caótica”.
Com essa decisão do Supremo Tribunal Federal, nem sequer foram cedidos os 5% da área pertencentes aos produtores com posse centenária, todos classificados pelo relator como míseros invasores.

Do Rio Grande do Sul, o jornalista Percival Puggina brada: “No norte do País, cidadãos brasileiros recebiam pela TV, viva voz e viva imagem, a notícia da expulsão imediata, emitida entre bocejos pelos senhores da Corte. Ao lixo os títulos de propriedade legítimos e os longos anos de árduo trabalho familiar nas terras que a União lhes vendeu. Ao lixo suas lavouras plantadas e seus rebanhos no pasto. Ponham-se na rua, todos, com suas famílias, moradias, máquinas e bens! A Corte decidiu e a Corte, visivelmente, está cansada. Isso é que é trabalho duro. Moleza é plantar arroz no trópico e discutir antropologia com padres que não evangelizam os índios e que desevangelizam os não-índios”.(2)

O que resultará dessa fatídica decisão? Como ficarão as inúmeras famílias de índios casados com não índios? Divididas? E os indígenas contrários à demarcação e de etnias diferentes reunidas nessa pequena torre de Babel, agora entregues à sua própria sorte? E se amanhã vier a faltar arroz em nossas mesas?

Diz a sabedoria do caboclo do nosso lendário Pantanal: “A sucuri pode comer o boi, mas depois não se move”.
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Notas:
(*) O autor é colaborador da Agência Boa Imprensa -- ABIM.
1. http://www.diegocasagrande.com.br/index.php?flavor=lerArtigo&id=1088
2. http://www.puggina.org

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