terça-feira, 7 de agosto de 2012

CANCIONEIROS E REPENTISTAS

Carlos Sodré Lanna (*) 

Os cancioneiros são cantores populares muito comuns nos estados do Nordeste, um pouco menos frequentes no leste e no centro do País. Dizem eles pelo canto, improvisado ou de memória, a história dos acontecimentos da região, seus personagens mais famosos, as aventuras de desbravamentos e caçadas.

Em praças públicas ou recintos fechados, passam horas, dias ou noites cantando sozinhos ou em grupos, com músicas de acompanhamento, muitas vezes enfrentando adversários nos desafios. Manifestação exuberante de fértil imaginação, brilho e pitoresca faceta da cultura tradicional brasileira, tais canções populares, contudo, em alguns casos — importa ressalvar —, descambam para a vulgaridade, tanto no referente aos temas quanto ao linguajar.

Hoje em dia são cerca de quatro mil cancioneiros vivendo sobretudo na região nordeste. Entretanto, eles podem ser encontrados em qualquer recanto do Brasil, principalmente nas praças públicas das grandes capitais, fazendo suas exibições. Na batalha do desafio entre os cancioneiros sertanejos, o repente é a resposta vivaz e inesperada, aturdindo a improvisação do adversário. Daí a denominação de repentista quem atribuída a desempenha esse papel. O desafio é uma disputa entre os cantores, em forma de poesia, improvisada ou decorada.

Origens e costumes 
Os desafios nasceram entre os pastores, na Grécia antiga, como canto e duelo de improviso e alternado, obrigando respostas às perguntas dos contendores. Na Idade Média, reapareceram eles na Europa, com os trovadores e menestréis na França, Alemanha e Flandres, e com os cancioneiros da Espanha e de Portugal. Os árabes conheciam o desafio. Sua influência é marcante em suas músicas campestres, notando-se também na África um influxo árabe em canções populares. Hoje os cancioneiros e repentistas estão espalhados por toda a América Latina, do México à Argentina.

A pé ou de caminhão, em ônibus ou em viaturas próprias eles estão por todas as partes. Analfabetos ou semiletrados, despertam a admiração do povo que assiste às suas apresentações e os incentiva. Às vezes pobres, semifamintos, errantes, deixam suas roças, suas casinhas, e lá se vão palmilhando o sertão e as cidades, em busca de aventuras, sempre cantando, vendendo seus folhetos, fazendo desafios e rodeados de público por onde passam.

Em suas apresentações, ninguém os interrompe. Não há insultos, pilhérias ou debiques, mas ouvidos atentos e silêncio admirativo. Os cantores não têm preocupação com a beleza das músicas, pois elas são às vezes monótonas, ingênuas, primitivas e uniformes. A única obrigação consiste em respeitar o ritmo dos versos, a cadência do conjunto — case-se esta com qualquer música — e tudo o mais estará bem. Os cancioneiros não se importam com o desafinado das melodias mas com os ritmos.

Atualidade em versos 
Os repentistas comentam a atualidade em versos, e nada lhes escapa. Os grandes acontecimentos internacionais e nacionais, as crises políticas e econômicas, as guerras, as eleições e a reforma agrária. Tudo é cuidadosamente incluído, cantado e retransmitido a uma população muitas vezes mal informada e iletrada, sem possibilidades de comprar sequer um jornal.

Fatos diversos, locais ou regionais, os acidentes nas estradas, um casamento famoso, a construção de uma barragem, as propagandas políticas, conselhos religiosos ou filosóficos, tudo é colocado em cena, formando uma espécie de jornalismo paralelo autêntico.

Seus instrumentos de acompanhamento são a viola e a rebeca ao norte do País, a sanfona e o violão no sul, além do pandeiro, sem que se possam fixar preferências. Suas canções são muitas vezes publicadas em folhetos de poucas páginas, vendidos nas suas andanças ao publico assistente, e mesmo nas livrarias.

INÍCO DE UMA TROVA
Meu Deus, dai-me inspiração
Para o caso que vou contar
Me ajudai com a inteligência
Para eu não me atrapalhar
E sem fugir à verdade
Tudo em rima colocar...
Acredite quem quiser
Resolvi contar em versos
Com muita vontade e fé
Inventar não inventei
O que não era preciso
Devo aqui deixar bem claro
A todos que fui conciso
Não gosto de brincadeiras
Tampouco de confusão
Assino aqui os meus versos
Só quero compreensão

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Fontes de referência: 
1. Véronique Mortaigne. Poètes-reporters et menteurs professionnels "Le Monde", Paris 30/12/95. 
2. Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1988.  
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 (*) Carlos Sodré Lanna é colaborador da Agência Boa Imprensa (ABIM)

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