A indignação popular contra o caos que corrói a Argentina atingiu um clímax. Sobre o futuro do país paira imensa incógnita que, em última análise, só a Providência Divina poderá resolver.
- Marcelo Dufaur
Batendo panelas e exibindo toda espécie de cartazes de protesto, de confecção caseira, por volta de 700.000 portenhos congregaram-se em torno do obelisco central de Buenos Aires para manifestar sua insatisfação e mesmo sua cólera em relação ao rumo nacionalista-esquerdista que a presidente Cristina Kirchner vem impondo ao país.
Tal multidão constitui a ponta de um imenso iceberg, símbolo de um país inteiro. “Panelaços” simultâneos ocorreram diante da Casa Rosada, da residência presidencial de Olivos, em bairros centrais e periféricos, bem como nas principais capitais de província da Argentina.
As queixas populares recolhidas pela imprensa abarcavam um dos mais vastos leques de descontentamentos que nossa época, entretanto repleta de absurdos, já conseguiu reunir.
A viúva do ex-presidente Kirchner vinha prolongando a obra de demolição iniciada pelo seu marido, atropelando as categorias sociais, os costumes e os símbolos mais cultuados pelos argentinos. O chamado “estilo K”, adotado pelos governos do casal Kirchner, consiste em atropelar os espíritos sem os convencer, para implantar com arrogância e vulgaridade uma Revolução Cultural e um socialismo invasor.
Gigantesca manifestação da indignação contra governo caótico da viúva Kirchner |
Sob uma bandeira nacionalista, tal equipe vinha conduzindo sistemática agressão igualitária contra as classes média e alta, as mais cultas do país, seus costumes e suas propriedades. Mas as consequências dessa investida faziam-se sentir também sobre as camadas populares: assombrosa degradação dos serviços públicos, criminalidade quase descontrolada, Judiciário aviltado e posto a serviço da prepotência esquerdista, inflação devorando ordenados e poupanças, acelerado processo de destruição da família.
Por fim, em meio a uma torrente de artifícios legais, o núcleo do poder do governo Kirchner manifestou a vontade de reformar a Constituição para reeleger a atual presidente, seguindo o sistema utilizado por Chávez na Venezuela. Como para tal reforma o governo não possui maioria, o povo argentino deu-se conta de que as formalidades legais não seriam respeitadas. Foi então que, como observou o jornal “Le Figaro” de Paris, a cólera e a saturação transbordaram na forma de maciças manifestações populares de protesto contra o conjunto de abusos esquerdistas.
Mistérios da situação argentina
Se existe algum mistério na durabilidade do “estilo K”, não parece que deva ser procurado na famigerada gangue encravada no governo.
Seria tarefa fácil para a força oposicionista se ela quisesse apresentar uma opção viável de poder e até ficar com as rédeas do governo. Mas nem mesmo a ambição e o interesse pessoal moveram seus políticos a se mobilizarem com um mínimo de inteligência.
Resultado: no imenso “panelaço” de 8 de novembro último, também eles foram largamente apontados pelas multidões como responsáveis pelo mal-estar nacional. Os argentinos não se sentem representados pela oposição e um imenso vazio abriu-se entre o povo e os que deveriam representá-lo.
Imensa incógnita tomou corpo na Argentina. De um lado, a equipe governamental aparece ao mesmo tempo cada vez mais prepotente e cada vez mais impotente, incapaz de se conduzir em suas funções, repudiada até por muitos dos que nela votaram. De outro lado, a oposição política, sem líderes, sem ideias, sem alternativas, apenas um pouco menos repudiada pela população do que o governo. Assim, o vazio apresenta-se como a grande incógnita para o futuro.
O horizonte não seria tão pesadamente brumoso se a influência da hierarquia eclesiástica se fizesse sentir beneficamente sobre a população que, nesta encruzilhada, normalmente se volta compactamente para suas raízes católicas.
Mas, quem analisa a posição da Conferência Episcopal Argentina e do clero católico considerado em seu conjunto, depara-se com uma atitude semelhante à de uma esfinge do Egito.
Então, o que aguarda a Argentina?
A prodigiosa desordem e a imprevisibilidade do quadro civil e religioso argentinos acena para acontecimentos futuros cada vez mais incertos, descontrolados e até contraditórios.
A insensibilidade da opinião pública argentina às propostas nacionalistas de cunho esquerdista do governo, sua desconfiança em relação à oposição, o desprestígio da esquerda católica e do clero progressista estão produzindo um descolamento sem nome. Cidadãos e políticos no campo civil, fiéis e clero no campo religioso, não mais se entendem. Predominam a insatisfação e a ebulição do temperamento popular contra todos esses fatores de desordem.
Poder-se-ia mesmo evocar uma analogia histórica: o desabamento do Império Romano do Ocidente, quando ocorreram fenômenos semelhantes de desarticulação no governo e desorganização na sociedade.
Mas há na Argentina um elemento superior que os fautores do caos atual fingem negligenciar: sua Padroeira, Nossa Senhora de Luján. D’Ela aguardamos a última palavra!
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