quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Do Presépio ao Calvário


Pe. David Francisquini (*) 

Apesar de revestida de mistério, a festa da Circuncisão de Nosso Senhor Jesus Cristo, comemorada no dia primeiro de janeiro, esparge luz que ilumina todos os dias do ano. 400 anos antes da promulgação da Lei mosaica, Deus prescrevia a Circuncisão como preceito para Abraão e seus descendentes, simbolizando a Aliança estabelecida por Deus com o povo hebreu, particularidade que o diferenciava dos pagãos.

Tratava-se do principal sacramento da religião mosaica — simbolizando ao mesmo tempo purificação e santificação — a caracterizar e congregar o povo escolhido com a eliminação do pecado original. Sendo Nosso Senhor Jesus Cristo verdadeiro Deus, descendente de Abraão, não estava sujeito a essa Lei, mas quis a ela sujeitar-se, em ato de humildade e obediência, para assim remir e libertar a humanidade da culpa original.

Nesse acontecimento de transcendental importância, comemorativo da oitava do nascimento do Salvador do mundo, cujo nome é Jesus — que significa Salvador e Redentor —, podemos figurar um diálogo que bem poderia ter ocorrido entre Filho e Mãe, qual melodia harmoniosa e sublime, para ressaltar o significado desse mistério que a Santa Igreja Católica comemora.

— Minha Mãe, a mais formosa das filhas de Israel, vede que vim reinar e conquistar os corações! Sendo Eu Deus, quis ser pequenino, frágil, mimoso e deleitável, para tocar os corações dos homens, a fim de que eles trilhem o caminho dos mandamentos. O vagido que se desprende de meus lábios representa a minha dor, torna-se um hino de homenagem que ressoa junto ao trono de Deus Pai!

— Meu Filho querido, ao desprender de vossos lábios o pranto de dor, sinto uma espada que trespassa o meu coração virginal! Uno-me a Vós de tal forma que na junção de vossa dor com a minha realiza-se algo que a Terra não pode compreender, pois Mãe e Filho sofrem e assim unem o Presépio ao Calvário. Vejo em Vós a nova aliança que se instala com o derramamento de vosso sangue de valor infinito que redime a humanidade inteira.

— Sendo de Família real, descendente de Abraão e dos demais patriarcas, Eu não vim abolir a Lei, mas cumpri-la. A prova do meu amor para com os homens se revela na circuncisão! Foi para padecer e sofrer por eles, garantindo a sua eterna salvação, que tomei a natureza humana em vossas entranhas virginais. Ao ouvir o lamento de minha dor, que desprende de meu coração que tanto ama os homens e faz estremecer os próprios anjos, espero tocar-lhes o coração.

— Como pode um Deus tão pequenino, tão frágil e meigo, sofrer sem culpa?

— Minha amada Mãe, foi para mostrar aos homens que Deus não abandona os pecadores que Eu tomei a natureza humana. Vejo nisso a expressão do meu sacerdócio, que se instala entre os homens para remir dolorosamente suas péssimas culpas e conceder-lhes os meios de salvação, instituindo assim os canais da graça que são os meus sacramentos.

E prossegue o Deus-Menino: — Como o povo hebreu fazia parte dessa nação eleita pela circuncisão, assim também pelo batismo reunirei os filhos prediletos de minha Igreja, fora da qual não há salvação. Se nesse estábulo sou circuncidado — local aonde os Reis Magos e os pastores vieram prestar-me homenagens — deixarei, Virgem Imaculada, um sacerdócio perene, para que este mesmo sangue seja sacrificado sob as aparências de pão e de vinho.

— Como se dará isso, meu querido Filho?

— Eu vim para remir o povo de seus pecados. Como Salvador e Redentor do mundo, não posso restringir minha ação a um povo, mas conquistar toda a Terra. Diante de meu Nome dobrar-se-ão os joelhos aqui, nos Céus e no inferno! Meu Nome será pronunciado pelos meus ministros e filhos queridos para expulsar os demônios e vencer todos os males.

O meu Nome será uma fonte inesgotável com poder inexcedível para sanar os males, afugentar os demônios e quebrar o poder de articulação dos maus. Ao pronunciá-lo com respeito e veneração, ele confortará nas lutas, consolará nas tribulações e tentações, será o escudo seguro contra os inimigos de nossa alma e lenitivo a amenizar as chagas do espírito, tal qual o azeite lançado nas feridas.

— Sei, querido Filho, que dos antros da humanidade se arrancarão determinações e planos contra a vossa Igreja, a ser instituída um dia. Como no campo bem cuidado pode proliferar a cizânia, percebo com a clarividência que me destes, com a luz que me infundistes, que o príncipe das trevas se articulará nos seus antros de maldade e perversidade, para levar à ruína vossa Igreja. Como Rainha da história humana, prevejo as articulações para introduzir em seu seio ministros que difundirão o mal para perverter as almas que custam o preço infinito de vosso sangue. Sendo vossa Mãe, sê-lo-ei também da Igreja e sei que as portas do inferno não prevalecerão contra Ela. O fulgor de vossa santidade e perfeição brilhará um dia em toda a face da Terra. Eu, que Vos concebi e por obra e graça do Espírito Santo Vos trouxe a este mundo, estabelecerei sobre ele o meu Reino: Por fim meu Imaculado Coração triunfará! Assim se unem o presépio com o Calvário e com toda a história da raça humana.

Aquele que sendo Deus quis abraçar a raça humana revestindo-se da carne desta, começa a derramar as primeiras gotas de seu sangue preciosíssimo. Vossa carne que está sendo atingida neste momento tem um valor incomparavelmente maior que o sangue dos cordeiros, ovelhas e bois.

Não contente com a efusão deste pouco sangue, quereis mostrar o excesso de vosso amor, de vossa bondade, de vosso entretenimento, de vosso carinho para com a humanidade inteira. O excesso de vosso heroísmo para remir uma raça que foi maculada pelo pecado não conhece limites. O desdobramento de vossa vida é uma contínua imolação, cujo auge será o sangue derramado por Vós no alto da cruz. O mais sublime exemplo para que a humanidade inteira compreenda que deve amar e lutar sem limites por Deus, de toda alma, de todo coração, de toda inteligência.
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(*) Sacerdote da igreja do Imaculado Coração de Maria, Cardoso Moreira - RJ 


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